Trata-se de um caso em que da procura resulta, efetivamente, a pedra filosofal. Sendo que a pedra é literalmente fósforo, a partir de muitos litros de urina. O sonhador era o alemão Hennig Brandt (Hamburgo, 1630-1710) que, nas experiências de alquimia utilizava abundantes quantidades de urina. Em 1669, das experiências surge, realmente, uma pedra luminescente, da qual irradiava uma luz fria. Chamou-lhe phosphorus (transportador de luz em grego antigo, que em latim se dizia lucifer). Daqui nasce a mais recente publicação da U.Porto Press, que é uma peça de teatro. Chama-se Phosphorus – Entre Vénus e Lúcifer , tem a assinatura de Manuel João Monte, professor associado jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e tem lançamento marcado para o próximo dia 29 de março, às 14h30, no Auditório Ferreira da Silva da FCUP. A estreia da peça também já tem data marcada. Como aperitivo, durante o lançamento do livro, haverá leituras dramatizadas de algumas cenas, pelo Grupo de Teatro amador TRUPE FCUP
A relevância do erro
O acidente que esteve na origem da descoberta está bem explícito na própria designação. Quando dito em inglês, o símbolo químico P (de phosphorus), pronuncia-se (pi), semelhante a “pee” (urina). A trama vai-se desenrolando à boleia desta descoberta, abrindo espaço fértil para outras reflexões. É um livro que “repousa sobre investigação rigorosa”, apresenta Fátima Vieira, Vice-Reitora com o pelouro da Cultura da U.Porto.
De resto, o facto de já ter traduzido e produzido peças de Teatro de Ciência, permite ao autor perceber claramente “a utilidade do teatro como forma de comunicação de ciência”. Desde a alquimia até ao desenvolvimento científico, o livro leva-nos pela “evolução da própria ciência”. Leibniz é a personagem “que melhor representa esta porosidade (matemático, filósofo e alquimista nas horas vagas)”, enquanto Hennig Brandt é o “bom exemplo de como a prática científica não pressupunha, na altura, uma educação formal”, explica Fátima Vieira no prefácio do livro.
De sublinhar ainda outros fatores que Manuel Monte traz à reflexão, nomeadamente o “valor comercial das descobertas científicas”, o esclarecimento autoral “quem descobriu o fósforo foi Brandt e não Kunckel”, “os múltiplos usos da urina — utilizada quer em remédios, quer em fertilizantes” e questões de igualdade de género, nomeadamente quando Margaretha diz ao marido que, se ele fosse mulher ” em vez de alquimista haviam de lhe chamar “bruxa” ou “feiticeira”, e que o seu destino seria certamente a fogueira, como aconteceu com muitas mulheres com pretensões alquímicas, no seu tempo”.
A busca da pedra filosofal
Consciente das necessidades básicas de uma população que já atingiu o número redondo dos oito mil milhões e da escassez de recursos como o fósforo, a peça vai além das vicissitudes da descoberta científica e debate problemas ambientais e de sustentabilidade, onde este elemento químico tem um papel fundamental.
Na realidade, celebra-se a ideia da “persistência na investigação” e da busca da pedra filosofal, “essa substância mítica nunca alcançada que seria capaz de transformar metais básicos em ouro e proporcionaria o rejuvenescimento e a imortalidade — para o desenvolvimento da ciência”. Alternando situações do Século XVII com cenas do século XXI, Manuel Monte conseguiu trazer para a discussão “a importância do fósforo nos nossos dias e para os tempos que hão de vir”, assim como a confiança na ciência para resolver “a escassez de fósforo que atualmente enfrentamos”, remata Fátima Vieira.
Enquadrando-se nos objetivos do Ano Internacional das Ciências Básicas para o Desenvolvimento Sustentável (proclamado pela UNESCO), a peça sublinha a necessidade urgente de mudanças comportamentais que contrariem a degradação ambiental e as crises climáticas. Apesar da seriedade da temática é com humor que peça vive entre o passado e o presente, a descoberta de novos elementos, as nossas dependências e as consequências do uso exaustivo.
Phosphorus – Entre Vénus e Lúcifer tem estreia marcada para fevereiro do próximo ano, no Teatro Municipal de Matosinhos Constantino Nery, com encenação de Nuno Sá.
Sobre Manuel João Monte
É professor associado do Departamento de Química e Bioquímica da FCUP, onde leciona desde 1980. Jubilado em agosto de 2019, é atualmente professor convidado e coordena o grupo de investigação em Termodinâmica Molecular e Supramolecular do CIQUP, que Integra o Institute for Molecular Sciences (IMS).
Autor de vários artigos científicos em revistas internacionais com avaliação por pares, traduziu (a partir de manuscritos dos autores) as peças de “Ciência-no-Teatro” Oxigénio (2005), de Carl Djerassi e Roald Hoffmann, e Falácia (2011), de Carl Djerassi, ambas publicadas pela U.Porto Press.
É autor da peça de teatro O Bairro da Tabela Periódica (U.Porto Press, 2019) tendo sido galardoado, em 2021, com o prémio José Mariano Gago da SPA. Em 2020 escreveu a peça Arsenicum e em 2021 Que Coisa é o Mundo, em coautoria com Sofia Miguens, também publicadas pela editora da U.Porto.