Desde pequeno que dizia querer ser engenheiro. Pedro Aibéo, 44 anos, nasceu no Porto e estudou no Liceu de Gaia, atualmente Escola Secundária Almeida Garret, antes de concorrer a Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) em 1997.
“A minha resposta standard às perguntas deste género era que queria construir coisas, mas que queria compreendê-las, antecipando-me à pergunta de porque então não arquitetura?” explica.
Mais tarde acabou mesmo por estudar Arquitetura em Darmstadt, na Alemanha, e diz que “obviamente entendi que saber como funciona em detalhe o betão armado e outros detalhes está longe de significar entender-se o que é uma casa ou uma ponte. O todo não é só maior que a soma das partes, mas algo completamente diferente e inesperado.”
Terminou o curso na FEUP em 2002. Um ano antes, quase por acaso, candidatou-se a uma mobilidade Erasmus e foi parar a Seinäjoki, na Finlândia, país que acabaria por escolher mais tarde para viver. “Mesmo no último dia de candidatura, um amigo falou-me desta possibilidade, num dia de chuva no novo Campus da Asprela (antigamente a FEUP era na Rua dos Bragas a poucos metros de onde eu tinha nascido) e eu escolhi a última opção ainda disponível, a Finlândia. Na altura, em 2001, ninguém realmente queria ir para a Finlândia”, explica o alumnus.
A vida de Pedro não se fica apenas pela Engenharia. É músico, escritor, investigador, empreendedor e ativista político com inúmeros projetos finalizados e outros tantos em progresso.
“Estou a finalizar um doutoramento em Architectural Democracy sobre política e construção com o famoso escritor John Keane da Austrália, criei três companhias à volta da “Gamified Cohousing”, criei uma organização sem fins lucrativos, a World Music School e sou Deputy Member do Departamento de Planeamento Urbano da cidade de Lohja. Além disso, faço parte de uma galeria de arte, a Myymälä, no coração de Helsínquia e tenho publicado vários livros, um deles o “Isto não é só Matemática”, já tendo em vista o próximo, que será sobre astronomia. Também escrevi peças de teatro para as Nações Unidas e para o teatro estatal alemão, toquei e toco música profissionalmente com os “Homebound” e os “Wolfenmond” e sou Vice-Chairman dos “Artists at risk”, uma associação que ajuda refugiados políticos através das artes”, resume o engenheiro civil.
Com uma vida cheia de planos, Pedro é muito mais que um engenheiro na verdadeira essência do querer construir e compreender o mundo à sua volta. E todo este trabalho tem dado os seus frutos.
“Tenho recebido vários prémios para alimentar o meu ego. O mais recente foi há uns meses atrás, o prémio estatal de artes (Taike), o maior prémio nacional deste gênero na Finlândia. Outros têm sido à volta da arquitetura e engenharia. Recentemente, desenhei um Hospital e um centro de estudo de reciclagem para o Nepal, patrocinado pela Koica – Korea International Cooperation Agency, a agência sul coreana para o desenvolvimento, tendo ambos os projetos sido premiados”, acrescenta.
O projeto que quer mudar as cidades
Em 2018, Pedro começou a “Gamified Cohousing”, uma spin-off da sua investigação sobre Architectural Democracy, que se traduz num projeto que quer resolver os problemas crescentes de solidão e desperdícios de recursos (naturais e humanos) nas cidades, combinando esse facto com o potencial de existirem vários edifícios vazios no mundo.
“Com a Gamified Cohousing temos agora cinco propriedades na Finlândia, quatro escolas antigas e uma estação de comboios que estamos a renovar e a implementar um misto de habitação e local de trabalho, com zonas partilhadas. Tudo gerido através de um jogo semelhante ao The Sims”, avança o antigo estudante da FEUP.
– Como surgiu a oportunidade de ir para a Finlândia?
Em 2001, através do projeto Erasmus e depois de ter vivido em muitos países, a fazer engenharia e arquitetura, como Oman, Alemanha, Índia, Austrália e China, resolvi seguir o meu caminho, parar de trabalhar por conta de outrem e criar as minhas empresas e investigação. A Finlândia parecia o sítio certo para tal, mais próximo da família e dos meus filhos e num país onde os apoios são fortes. Estatal e privado. Por exemplo, recebi a bolsa da Kone Foundation para a investigação. Mas o sistema não é perfeito, longe disso, se bem que os comboios quase o são. Estou agora a escrever isto de Kajaani para Lappeenranta, no restaurante do comboio.
– De que forma a Universidade do Porto teve impacto neste processo?
A Universidade do Porto deu-me oportunidade de ingressar no projeto Erasmus, com bolsa e um processo muito fácil de aplicação. A Faculdade de Engenharia fez-me crescer muito: de um rapaz confuso de 17 anos para alguém capaz de se organizar não só no trabalho, mas a ser independente na vida.
– Há quanto tempo estás fora de Portugal?
Desde 2002. 22 anos, exatamente metade da minha vida!
– O que te motivou a ir para fora?
Depois da experiência na Finlândia, ficar num só sítio pareceu muito redutor, havia um mundo por explorar e crescer. Não sou obcecado por viajar e por turismo, mas sou com certeza um irrequieto.
– Apesar de viveres na Finlândia, consideras-te um cidadão do mundo?
Não passo muito tempo na Finlândia, talvez metade do ano. Hoje em dia tenho passado muito tempo no Nepal e no Qatar em projetos de engenharia e arquitetura. Fui dando muitas aulas antes da pandemia que se viveu em 2020, ia anualmente à China, incluindo Wuhan, onde dei várias aulas e workshops. Passei também pelo México e Índia. Hoje em dia não tenho dado aulas porque acabo por ter pouco tempo para isso.
Cidadão do mundo? Essa definição é a de uma pessoa que pertence a todos os lados e a nenhum também. Há um sentimento de casa, quando estou em Oman e na Alemanha, tão intenso ou senão mais do que em Portugal, mas também um eterno sentimento de ser o estrangeiro em todos os lados. Mas voltar a Portugal é indesejável, porque seria frustrante fechar a minha história de vida com saudosismos constantes, do emigrante que de repente já não o é. Tornar-me naquele tio que muitos de nós certamente já experienciámos em várias ocasiões, a querer falar de que também antigamente viajava e era um cidadão do mundo com um olhar triste de não o ser mais! Se sou um cidadão do mundo, que morra então como tal, no caminho.
– Como foi a adaptação a viver fora de Portugal, noutros países, e à Finlândia em particular?
Na altura, em 2001, havia menos Internet e nada de câmaras digitais ou smartphones. Mas muita vida social que ajudou bem na transição. Tornou-se tudo rapidamente numa aventura. Hoje, continua a ser fácil e também difícil, por outro lado. As burocracias e línguas por vezes dificultam. Antigamente, era necessário aprendermos a língua do país onde estávamos, mas atualmente torna-se quase desnecessário com tanta ferramenta digital disponível.
Obviamente que sendo europeu, não estou iludido. Facilita a vida… e muito! Quando estive na Palestina a explorar Hebron e me vi rodeado de militares das Forças de Defesa de Israel, bastou-me levantar o passaporte português para que libertassem as armas apontadas a mim.
– Principais experiências que gostasses de destacar?
O nascimento dos meus dois filhos, na Alemanha e na Estônia, muitos romances e, claro, muitos projetos de trabalho!
Dos romances não se fala, fica para outra rubrica talvez, mas do trabalho, deixo uns destaques: a construção da GuTech em Oman, a graduação em Engenharia Civil e em Arquitetura, a compra da primeira escola em Hyrsylän Koulu, na Finlândia, para a “Gamified Cohousing” em 2019, expor na Bienal de Veneza, publicar um livro prefaciado pelo Nuno Markl, ter tocado música ao lado do Béla Fleck no Celtic Connections em Glasgow, ter feito uma peça de teatro nas Nações Unidas de Viena para um público recheado de astronautas, as tours de música pela Alemanha a tocar gaitas de foles em shows góticos, vender os meus desenhos de nus em galerias e pagar os meus estudos com esse valor, tocar música em casamentos na Índia, fundar uma escola de música no Benin, dar aulas de arquitetura na Austrália, representar a Finlândia numa palestra em Barranquilla, na Colômbia, e ser capa do maior jornal da Finlândia, Helsingin Sanomat, em protesto contra o Guggenheim em Helsínquia.
– O que gostas mais na Finlândia? E menos?
Gosto de um alto nível de honestidade e confiança, desgosto do constante uso da palavra “niin” nas conversas… Faz-me lembrar Monty Python e os cavaleiros que diziam “ni”.
– Um conselho para quem visita a Finlândia?
Não esperem o país mais feliz do mundo, não é baseado em números de sorrisos por dia por pessoa, ou numa vida social intensa e muito menos, não esperem receber comida quando forem visitar alguém, é só café, quase sempre americano.
– Do que é que sentes mais falta em Portugal? Pensas em regressar?
Não tenho planos de regressar, só se fizermos algumas “Gamified Cohousings” por aí. Estamos já a expandir para a Ásia, mas Portugal ainda não. Quem sabe!
Não sinto realmente saudades, tento sempre fugir da clássica nostalgia, de viver no passado. Não sinto falta do Fado, mas sim de uma boa noite a tocar gaita de foles em Trás-os-Montes com os meus amigos, alguns dos quais com quem cresci a tocar música durante o curso de Engenharia Civil.