A investigadora Raquel Seruca, líder do grupo «Epithelial Interactions in Cancer» do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), professora da Faculdade de Medicina da U.Porto (FMUP) e referência mundial no estudo do cancro gástrico, faleceu esta segunda-feira, aos 59 anos, vítima de doença oncológica.
Natural do Porto, cidade onde nasceu a 9 de junho de 1962, Raquel Seruca licenciou-se (1986) e doutorou-se (1995) em Medicina pela FMUP e foi bolseira de investigação no Departamento de Genética Humana da Universidade de Groningen, Holanda.
De regresso a Portugal, iniciou um pós-doutoramento em genética molecular do cancro do estômago no Ipatimup – Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da U.Porto (hoje integrado no i3S) com o patologista Manuel Sobrinho Simões. Deste rapidamente “herdaria” a alcunha de “força da natureza”, devido ao seu entusiasmo, curiosidade e otimismo contagiantes.
“Antes, isso não teria acontecido porque, apesar de nutrir por ele grande admiração, era má aluna e não tinha coragem de propor uma coisa dessas a alguém como o Prof. Sobrinho, com tanto carisma, como cientista e como pessoa. Depois desse ato de coragem, o Professor criou-me a oportunidade para fazer cá o que fiz na Holanda”, recordava, em 2009, numa entrevista à revista U.Porto Alumni.
Começava assim uma ligação que, nas décadas seguintes, ajudaria a elevar o Ipatimup a um dos principais centros de investigação europeus na área do cancro. Para além de coordenar o Grupo de Genética do Cancro, Raquel Seruca foi ainda Provedora e vice-presidente do Instituto, cargo que desempenhava até à atualidade.
A mulher do “sonho pequenino”
Autora de mais de 260 artigos publicados nas mais prestigiadas revistas científicas, como o New England Journal of Medicine, a Lancet Oncology ou a Human Molecular Genetics, Raquel Seruca é reconhecida internacionalmente no campo da genética do cancro gástrico e considerada uma especialista mundial em invasão das células cancerígenas, nomeadamente no cancro gástrico e no cancro do cólon. Foi ainda responsável pela formação de várias gerações de investigadores e colaborou em muitos programas de doutoramento.
Em maio de 2009, publicou na revista Human Molecular Genetics, com outros investigadores, um estudo que sugeria uma nova terapia para controlar a propagação das células cancerígenas para outros tecidos, partindo do princípio de que essa propagação pode ser motivada pela activação aberrante de uma proteína, a EGFR (Receptor do Factor de Crescimento Epidérmico). Uma descoberta que constituiu então um novo passo para a concretização daquele que dizia ser o seu “um sonho pequenino”: perceber como alguns cancros conseguem invadir tecidos adjacentes, propagarem-se e fazer novos órgãos em órgãos que não são os próprios.
“Não sei se conseguirei chegar lá… ou mesmo se a minha geração conseguirá, mas estão a dar-se passos cada vez mais certeiros para perceber os mecanismos moleculares das doenças. Não só pela tecnologia que está mais avançada, mas também pela quantidade de pessoas, com competências muito diversas, que fazem investigação nesta área. Penso que é isto que vai fazer a diferença”, antecipava em 2009.
Para além de ter sido galardoada diversas vezes pela Sociedade Portuguesa de Genética Humana, Raquel Seruca conquistou o prémio Benjamin Castelman Award USCAP, em 2001 e em 2012, o Prémio Labmed em 2002 e 2003, e recebeu a insígnia de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, em 2009. Em 2014 a Câmara Municipal do Porto distinguiu-a com a Medalha Municipal – Grau Ouro.
Em 2015, a sua equipa recebeu um prémio – reforçado em 2019 e 2021 – da ‘No Stomach For Cancer’, uma associação norte-americana que apoia famílias com cancro gástrico e à qual Raquel Seruca estava ligada enquanto membro do Conselho Científico Consultivo.
Mais recentemente, foi distinguida com o Prémio ACTIVA Mulheres Inspiradoras de Ciência 2021 pelo trabalho de coordenação da candidatura do i3S, no âmbito do consórcio Porto Comprehensive Cancer Centre (P.CCC), aos fundos do Norte 2020.
“Uma das mais brilhantes cientistas portuguesas de sempre”
Numa nota de pesar difundida em reação à morte de Raquel Seruca, o Reitor da U.Porto, António de Sousa Pereira, enaltece o ” extraordinário contributo” que a docente e investigadora “deu à ciência portuguesa, à Universidade do Porto, à sua Faculdade de Medicina e aos seus institutos de ciências da saúde Ipatimup e i3S”.
“A Professora Raquel Seruca foi uma das mais brilhantes cientistas portuguesas de sempre, tendo contribuído, com o seu notável trabalho de investigação genética, para avanços significativos no estudo e tratamento do cancro gástrico”, refere.
O Reitor destaca ainda a “marca indelével de dedicação, competência, saber e generosidade” que Raquel Seruca deixou ao longo de “uma carreira científica profusa e muito prestigiante, que extravasou fronteiras e projetou a ciência portuguesa internacionalmente”.
“Várias gerações de investigadores que trabalharam e conviveram com a Professora Raquel Seruca foram contagiadas pela sua vitalidade, otimismo e perseverança, traços de carácter que colocou ao serviço da ciência e que vão certamente ficar guardados na memória”, conclui António de Sousa Pereira.
Já Claudio Sunkel, diretor do i3S e amigo “de longa data” de Raquel Seruca, recorda a investigadora como “uma mulher de garra, frontal e de grandes convicções”, que “contribuiu com grande generosidade para a implementação do projeto i3S. Perdemos uma amiga, uma colega, uma pessoa fantástica e ficamos com uma enorme tristeza pela sua partida”
Para além das” inúmeras contribuições de grande relevância” no campo do estudo do cancro gástrico, o também professor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) lembra Raquel Seruca como alguém “sempre disponível para contribuir no desenvolvimento da Ciência”. A este nível, “formou várias gerações de investigadores e colaborou em muitos programas de doutoramento, incluindo o GABBA.”