A biodiversidade global diminuiu entre 2% e 11% durante o século XX devido apenas às alterações registadas na utilização dos solos, sendo que as projeções mostram que as alterações climáticas podem tornar-se o principal fator de declínio da biodiversidade até meados do século XXI. As conclusões constam de um abrangente estudo liderado pelo investigador Henrique Miguel Pereira, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto e que acaba de ser publicado na prestigiada revista Science

Trata-se do estudo mais compreensivo de alterações da biodiversidade até à data. Os investigadores compararam treze modelos para avaliar o impacto das alterações do uso do solo e das alterações climáticas em quatro métricas de biodiversidade distintas, bem como em nove serviços dos ecossistemas.

De acordo com a Plataforma Intergovernamental sobre a Biodiversidade e os Serviços dos Ecossistemas (IPBES), a perda de habitat é considerada a principal responsável pelas alterações da biodiversidade. No entanto, os cientistas estão divididos quanto ao grau de alteração da biodiversidade nas últimas décadas. Para melhor responder a esta questão, os investigadores modelaram os impactos das alterações da utilização dos solos na biodiversidade ao longo do século XX. Os investigadores descobriram que a biodiversidade global pode ter diminuído entre 2% e 11% devido apenas à perda de habitat. Este intervalo abrange uma gama de quatro métricas de biodiversidade calculadas por sete modelos diferentes.

“Ao incluir todas as regiões do mundo no nosso modelo, conseguimos colmatar muitas incertezas e dar resposta às críticas a outras abordagens que trabalham com dados fragmentados e potencialmente enviesados”, afirma o primeiro autor, Henrique Pereira. “Todas as abordagens têm os seus pontos positivos e negativos. Acreditamos que a nossa abordagem de modelação oferece a estimativa mais rigorosa das alterações da biodiversidade a nível mundial”, nota Henrique Miguel Pereira, que é também investigador do Centro Alemão de Investigação Integrativa da Biodiversidade (iDiv) da Universidade Martin Luther de Halle-Wittenberg (Alemanha).

Alterações climáticas e utilização dos solos podem conduzir à perda de biodiversidade

Utilizando outro conjunto de cinco modelos, os cientistas calcularam também o impacto simultâneo das alterações do uso do solo nos chamados serviços dos ecossistemas, ou seja, os benefícios que a natureza presta aos seres humanos.

No século passado, houve um aumento maciço dos serviços dos ecossistemas de produção, como a produção de alimentos e de madeira. Em contrapartida, os serviços de regulação, como a polinização, a retenção de azoto ou o sequestro de carbono, diminuíram moderadamente.

A alteração do uso do solo foi considerada o maior fator de declínio da biodiversidade no século XX. (Foto: Guy Pe’er)

Os investigadores analisaram também a forma como a biodiversidade e os serviços dos ecossistemas poderão evoluir no futuro. Para estas projeções, acrescentaram aos seus cálculos as alterações climáticas como um fator crescente de alteração da biodiversidade.

De acordo com as conclusões, as alterações climáticas poderão exercer uma pressão adicional sobre a biodiversidade e os serviços dos ecossistemas. Embora as alterações na utilização dos solos continuem a ser relevantes, as alterações climáticas poderão tornar-se o fator mais importante de perda de biodiversidade até meados do século.

A equipa avaliou três cenários amplamente utilizados – desde um cenário de desenvolvimento sustentável até um cenário de emissões elevadas. Em todos os cenários, os impactos das alterações do uso do solo e das alterações climáticas combinados resultam numa perda de biodiversidade em todas as regiões do mundo.

Embora a tendência geral para a diminuição seja consistente, existem variações consideráveis entre regiões do mundo, modelos e cenários.

As projeções não são previsões

“O objetivo dos cenários de longo prazo não é prever o que vai acontecer”, afirma a coautora Inês Martins, da Universidade de York (Reino Unido). “Pelo contrário, é compreender as alternativas e, por conseguinte, evitar essas trajetórias, que podem ser menos desejáveis, e selecionar as que têm resultados positivos. As trajetórias dependem das políticas que escolhemos e estas decisões são tomadas dia após dia.”

Os autores constatam também que mesmo o mais sustentável dos cenários avaliados não aplica todas as políticas que poderiam ser postas em prática para proteger a biodiversidade nas próximas décadas. Por exemplo, a expansão dos biocombustíveis, uma componente do cenário de sustentabilidade analisado, pode contribuir para atenuar as alterações climáticas, mas pode simultaneamente reduzir os habitats das espécies. Por outro lado, as medidas destinadas a aumentar a eficácia e a cobertura das áreas protegidas ou a renaturalização (rewilding) em grande escala não foram exploradas em nenhum dos cenários.

A avaliação dos impactos de diferentes políticas sobre a biodiversidade ajuda a identificar as políticas mais eficazes para salvaguardar e promover a biodiversidade e os serviços dos ecossistemas, segundo os investigadores. “Há incertezas de modelação, sem dúvida”, acrescenta Henrique Pereira.

“Ainda assim, os nossos resultados mostram claramente que as políticas atuais são insuficientes para atingir os objetivos internacionais em matéria de biodiversidade. Precisamos de esforços renovados para fazer progressos contra um dos maiores problemas do mundo, que são as alterações da biodiversidade causadas pela humanidade”, conclui.