O que é que o rei D. João VI tem a ver com a Universidade do Porto? Qual a ligação de Agustina Bessa-Luís, Sophia de Mello Breyner Andresen e Eugénio de Andrade à academia? Do crime da Rua das Flores já ouviu falar, e do pai da toxicologia forense portuguesa? Sabia que tudo isto acontece no mesmo espaço? Pormenores? Só no próximo dia 2 de abril, a partir das 10h00, hora a que a U.Porto abre as portas da sua “casa mãe” para uma visita guiada aberta a toda a população.

Integrada nas comemorações do Dia Nacional dos Centros Históricos (28 de março), esta visita propõe uma viagem no tempo pelas várias “vidas” do edifício histórico da Universidade, localizado em pleno centro histórico do Porto. Construído e remodelado ao longo de mais de um século, no terreno que originalmente pertencia ao Colégio dos Meninos Órfãos, que ali se manteve até finais do século XIX. Aqui nasceu também a Academia Real de Marinha e Comércio (1803) e depois a Academia Politécnica do Porto.

Após a criação da Universidade, em 1911, o edifício manteve o seu papel central, quer acolhendo os serviços da Reitoria, quer os das várias faculdades que tiveram ali a sua sede. Uma história que sobreviveu a dois incêndios e que se mantém hoje mais pujante do que nunca, graças à incorporação de espaços como o polo central do Museu de História Natural e da Ciência da U.Porto (MHNC-UP) ou a Casa Comum.

Mas nem só das paredes se faz a história do edifício. Daqui saíram historiadores, políticos, pensadores e investigadores…. Homens e mulheres que conduziram a história da nação. E que não serão esquecidos na proposta agora lançada pela U.Porto.

O Laboratório Ferreira da Silva

É, de resto, a uma dessas figuras centrais dos 111 anos de história da Universidade que caberá dar as boas-vindas aos visitantes. Falamos de António Ferreira da Silva (1853-1923), o insigne químico, professor da Faculdade de Ciências (FCUP) e “patrono” do Laboratório Ferreira da Silva, que servirá de ponto de encontro para o arranque da visita (com entrada pela fachada sul, à Cordoaria).

Com a implantação de edifícios como o Palácio da Bolsa e o Palácio de Cristal, a instalação das pontes D. Maria e D. Luís I e a chegada do comboio a Campanhã (1875), a cidade do Porto ocupou “um lugar muito importante entre as primeiras praças comerciais do continente europeu”, lê-se no prólogo do Plano de Melhoramentos da Cidade do Porto de 1881. A necessidade de modernizar as condições sanitárias levou a autarquia a ocupar-se do abastecimento de água (…) desenhar a rede de esgotos e salvaguardar a qualidade dos alimentos: “Todos vós sabeis, senhores, a perniciosa influência que exerce na saúde pública a má qualidade dos géneros alimentares. Em toda a parte têm os poderes públicos procurado obviar a este mal, já estabelecendo uma severa fiscalização sobre o estado sanitário das rezes mortas para o consumo, e sobre o estado da conservação da carne e do peixe expostos à venda (…); acham-se, porém, tão aperfeiçoados os processos de falsificação, que só homens técnicos especiais podem distinguir os géneros genuínos dos falsificados. Para precaver o consumidor contra a fraude têm todos os países estabelecido nas suas principais povoações laboratórios especiais onde são gratuitamente analisados os géneros acerca de cuja pureza há suspeitas oficiais”.

E é assim que, em 1882, o lente de Química da Academia Politécnica, que no ano anterior havia analisado as fontes de abastecimento de água à cidade, é chamado a criar o Laboratório Químico Municipal para fiscalizar as condições da higiene pública e prevenir fraudes alimentares. Veio também a realizar análises toxicológicas do foro médico-legal. Como Diretor do Laboratório Químico Municipal e do Laboratório Químico da Academia, Ferreira da Silva implementou métodos inovadores nas áreas da química dos alimentos e da química forense. Quem não se lembra do polémico caso do crime da Rua da Flores?

Inaugurado há menos de um ano, com o aspeto Arte Déco com que abriu as portas nos inícios do século XX, o “novo” Laboratório Ferreira da Silva convida os visitantes a reencontrar o local (e alguns dos objetos) onde a prática laboratorial foi dominada por diversas gerações de estudantes. Marisa Monteiro, curadora de instrumentos científicos do Museu de História Natural e da Ciência da U.Porto, vai ter muitas histórias para lhe contar…

A história em retrato

A segunda parte da visita tem início marcado para as 11h00. Subindo ao 3.º piso, e depois de passar pelas pinturas de Veloso Salgado, o Salão Nobre da Reitoria oferece uma galeria com cerca de meia centena de pinturas a óleo. Entre muitos outros, aqui estão os retratos de três personalidades marcantes na História de Portugal e que estão associadas aos primórdios da Universidade.

A primeira é o rei D. João VI, fundador da Academia Real de Marinha e Comércio da Cidade do Porto, que veio trazer à cidade do Porto aulas oficiais de comércio, matemática e línguas (francês e inglês). O grande objetivo desta instituição, financiada pelo imposto do Subsídio Literário, era habilitar os pilotos e oficiais de marinha a servir nos navios da Companhia. Os outros dois nomes são Passos Manuel, que instituiu a Academia Politécnica do Porto e António José de Almeida, responsável pela criação da Universidade do Porto.

Neste lugar de memória, há outros dois quadros que prometem chamar a atenção. O de Leopoldina Ferreira Paulo, a primeira mulher doutorada na U.Porto, em 1944. E aquele que é o mais recente habitante do Salão Nobre: um quadro de autoria do mestre portuense António Bessa, em que este retrata os “seus poetas” de eleição. A saber: Agustina Bessa-Luís, Sophia de Mello Breyner Andresen e Eugénio de Andrade.

Agustina Bessa-Luís, Sophia de Mello Breyner Andresen e Eugénio de Andrade são os três “habitantes” mais recentes do Salão Nobre da Reitoria. (Foto: DR)

Porquê três escritores no “salão de festas” da Universidade? E porque não? Não só a vida e obra de Sophia de Mello Breyner Andresen têm fortes ligações à Casa (através do Jardim Botânico e da Galeria da Biodiversidade – Centro Ciência Viva), como Agustina Bessa-Luís e Eugénio de Andrade foram doutores Honoris Causa pela U.Porto.

E por falar em Honoris Causa, é na companhia destes que vai encerrar a visita. E nada melhor do que fazê-lo na recém-inaugurada Galeria de Retratos de Doutores Honoris Causa, um espaço que recorda todos aqueles que, pelo seu percurso e contributo ao longo da vida, a U.Porto decidiu homenagear.

Esta visita será orientada por Susana Barros, licenciada em História de Arte e pós-graduada em História Moderna e Contemporânea e História da Cidade do Porto pela FLUP.

A participação é gratuita, mas sujeita a inscrição prévia para o e-mail [email protected].

Sobre o Dia Nacional dos Centros Históricos

O Dia Nacional dos Centros Históricos é assinalado a 28 de março por ser a data do nascimento de uma das figuras que melhor defendeu o património nacional — o historiador e político Alexandre Herculano, nascido em Lisboa, em 1810.

Este dia é também uma oportunidade para desenvolver ações de promoção e salvaguarda dos centros históricos.