Será que o nosso corpo pode gerar energia para alimentar e monitorizar dispositivos cardíacos implantados? Foi com esta questão que o projeto apresentado pela investigadora Andreia Pereira, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), conquistou uma das quatro Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência, atribuídas este ano. A cientista vai receber 15 mil euros para desenvolver próteses vasculares inteligentes capazes de se automonitorizarem e de enviarem sinais de alerta ao médico que acompanha o doente utilizando uma fonte de energia inesgotável.

O projeto de Andreia Pereira, intitulado «BloodStream2Power», tem como objetivo encontrar soluções para dois dos problemas centrais que afetam as pessoas com doenças cardiovasculares: as arriscadas cirurgias para substituição de baterias nos dispositivos eletrónicos implantáveis e as falhas nas próteses vasculares, que podem originar a morte do paciente.

Os atuais números da Organização Mundial de Saúde (OMS) relativos ao impacto das doenças cardiovasculares – 17,9 milhões de mortes/ano – motivaram a investigadora do i3S a seguir este caminho na sua carreira cientifíca.

Para evitar as cirurgias de substituição de baterias, Andreia Pereira pretende converter energia mecânica produzida pelo organismo humano (uma fonte inesgotável) em energia elétrica para alimentar os dispositivos cardíacos eletrónicos implantáveis, como os pacemakers por exemplo.

Para conseguir esta conversão, explica, “vamos recorrer aos chamados nanogeradores triboelétricos biocompatíveis, que utilizam uma tecnologia de dimensão inferior à que o olhar humano consegue captar, são feitos de materiais compatíveis com o organismo humano e usam a fricção para produzir a eletricidade que alimentará os dispositivos cardíacos”.

Este tipo de nanogeradores, garante Andreia Pereira, permite também monitorizar os dispositivos em tempo real e 24 sobre 24 horas e enviar sinais de alerta ao médico que acompanha o doente, caso haja alteração ao seu normal funcionamento. “É uma forma de prevenir falhas que podem levar a problemas maiores. Por exemplo, no caso das próteses vasculares podem indicar um enfarte do miocárdio, que pode culminar na morte do paciente», sustenta.

O conhecimento gerado com esta investigação, sublinha Andreia Pereira, “é suscetível de extrapolar para outros sistemas implantáveis que necessitem de baterias para ser alimentados ou que possam ser monitorizados, desde os neuroestimuladores às fístulas de hemodiálise e cateteres”.

Andreia Pereira está ligada ao grupo “Advanced Graphene Biomaterials” do i3S. (Foto: i3S)

As outras medalhadas

Para além de Andreia Pereira, esta 19.ª edição das Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência distinguiu também as investigadoras Joana Sacramento (Nova Medical School – Universidade Nova de Lisboa), Raquel Boia (iCBR – Universidade de Coimbra) e Sara Peixoto (Universidade de Aveiro).

As quatro investigadoras, já doutoradas e com idades entre os 31 e os 35 anos, foram selecionadas por um júri científico, presidido por Alexandre Quintanilha.

Cada vencedora é reconhecida com um prémio individual de 15 mil euros, que vai apoiá-la na sua pesquisa, motivá-la a prosseguir e contribuir para uma ciência e uma sociedade mais inclusivas e equitativas.

A cerimónia de entrega das medalhas decorreu esta quarta-feira, 10 de maio, no Pavilhão do Conhecimento.

Sobre Andreia Pereira

Mestre em Bioquímica pela Universidade do Porto, Andreia Trindade Pereira concluiu em 2020 o prestigiado Programa GABBA (Graduate Program in Areas of Basic and Applied Biology) da U.Porto.

Ligada há vários anos ao i3S, dedicou o seu post-doc ao desenvolvimento de “biomateriais como nanogeradores triboelétricos para aplicações cardiovasculares”, como investigadora no grupo “Advanced Graphene Biomaterials”, liderado por Inês Gonçalves.

Andreia Pereira já conquistou um Prémio Maria de Sousa e teve um projeto financiado pelo Concurso CaixaResearch Validate. Integra ainda a equipa portuguesa que lidera um consórcio europeu recentemente financiado com quase três milhões de euros pelo Conselho Europeu de Inovação (EIC) Pathfinder Challenge, no âmbito do programa Horizonte Europa.

Sobre as Medalha de Honra L’Oréal

O apoio da L´Oréal às mulheres da ciência começou formalmente em 1998, com uma parceria com a UNESCO que deu origem ao programa L’Oréal-UNESCO For Women em Science, que premeia anualmente cinco cientistas consagradas, uma de cada região do mundo. 125 grandes mulheres cientistas foram já premiadas, cinco das quais ganharam posteriormente um prémio Nobel.

Com inspiração neste programa internacional, em 2004, Portugal promoveu a primeira edição das Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência, iniciativa destinada a motivar jovens com menos de 35 anos, já doutoradas, e com projetos promissores.

Desde a sua origem, este programa junta a L’Oréal Portugal, a Comissão Nacional da UNESCO e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Outros países implementaram iniciativas similares, ampliando o apoio às mulheres que fazem avançar a ciência através de 52 programas de âmbito nacional ou regional que já apoiaram centenas de investigadoras.

Desde 2014 já foram reconhecidas 65 jovens investigadoras em Portugal, incluindo nove da Universidade do Porto: Sandra Sousa (IBMC, 2005), Maria José Oliveira (INEB, 2009), Joana Marques (FMUP, 2010), Inês Gonçalves (INEB, 2014),  Joana Tavares (IBMC, 2014)Sónia Melo (Ipatimup, 2015)Maria Inês Almeida (i3S, 2017)Joana Caldeira (i3S, 2019) e Sandra Tavares (i3S, 2021).