Os investigadores Inês Alves e João Neto, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da Universidade do Porto, foram dois dos vencedores da 3.ª edição do Prémio Maria de Sousa, promovido pela Ordem dos Médicos e pela Fundação BIAL. Os projetos, na área do lúpus e do cancro, respetivamente, foram distinguidos pela sua excelência com até 30 mil euros cada, incluindo um estágio num centro internacional de excelência.

O projeto de Inês Alves, do grupo «Immunology, Cancer & Glycomedicine» do i3S, foca-se no Lúpus Eritematoso Sistémico (LES), uma doença autoimune clássica com maior prevalência em mulheres jovens em idade ativa com um pico de incidência entre os 16 e os 49 anos. O impacto na qualidade de vida dos doentes é significativo. Uma das formas mais graves da doença é a nefrite lúpica, na qual ocorre atingimento do rim devido a uma infiltração massiva de células inflamatórias, que pode progredir para doença renal crónica/terminal.

O diagnóstico precoce e a monitorização clínica e terapêutica destes doentes constituem ainda um grande desafio, já que não existem biomarcadores capazes de predizer quais os doentes que irão progredir para uma doença complicada impedindo a identificação e seleção precoce destes doentes para terapias mais dirigidas. É neste contexto que Inês Alves se propõe a criar “novas formas de diagnosticar e prever quão grave o lúpus será para cada pessoa, permitindo otimizar as estratégias de tratamento destes doentes e evitar os sintomas agressivos que caracterizam esta doença”.

Num estudo anterior, explica a investigadora, “descobrimos uma assinatura específica (atípica) de glicanos (acúcares) à superfície das células renais de doentes com lúpus, glicanos que são normalmente encontrados em microrganismos, como é o caso de fungos e vírus, o que explica a perda de tolerância imunológica associada ao Lúpus”.

Com este trabalho, Inês Alves pretende clarificar se os doentes com lúpus produzem anticorpos especiais contra os glicanos que estarão envolvidos na perda de tolerância do tecido e dano renal. Mais concretamente, o objetivo “é identificar a presença dos anticorpos específicos contra açucares no sangue de doentes com lúpus, estudar as células B responsáveis pela sua produção e testar o efeito patológico destes anticorpos, ou seja, verificar se eles são responsáveis pela severidade e suscetibilidade da doença de lúpus”.

A conquista do Prémio Maria de Sousa permitirá à investigadora desenvolver parte do seu projeto no The Shmunis School of Biomedicine and Cancer Research, em Israel.

Para Inês Alves, “é uma honra, como imunologista em início de carreira, receber este prémio que homenageia a grande imunologista Maria de Sousa. Não só me permitirá aceder a técnicas inovadoras de screening de anticorpos nos doentes autoimunes, como também trazer um novo marcador (menos invasivo do que a atual biópsia renal) de diagnóstico, de prognóstico e de estratégia terapêutica, melhorando a qualidade de vida destes doentes”.

Cancro gástrico: contornar a resistência à terapia

O projeto do investigador João Neto, do grupo «Expression Regulation in Cancer» do i3S, centra-se no estudo do cancro gástrico (CG), o quinto tipo de cancro mais comum, a quarta causa de mortalidade por cancro no mundo e a terceira em Portugal.

Este cancro tem alta mortalidade porque é geralmente diagnosticado em estadio avançado, onde as opções de tratamento eficazes são escassas. Um dos poucos tratamentos disponíveis nesta fase é a terapia anti-HER2 e, mesmo assim, apenas cerca de 20-30% dos doentes com CG são elegíveis para tratamento com inibidores de HER2, como o trastuzumab.  Dentro desta percentagem, mais de metade ou não respondem ou acabam por desenvolver resistência a esta terapia. Os mecanismos que impedem a eficácia do trastuzumab em doentes HER2-positivos ainda não são bem conhecidos. E é precisamente aqui que João Neto pretende focar-se.

Segundo o investigador, há duas hipóteses: “Existem alterações genéticas em tumores HER2-positivos que podem prejudicar a eficácia das terapias anti-HER2, e identificar quais são é o que quero descobrir; ou inibir apenas a proteína HER2 não é suficiente e pode ser necessário combinar terapias para melhorar as taxas de resposta dos doentes, pelo que pretendo também identificar novas terapias combinadas (combinações de medicamentos)”.

O objetivo, sublinha João Neto, “é contribuir para o desenvolvimento de novas opções de tratamento para os doentes com CG HER2-positivos que não respondem ou que adquirem resistência ao tratamento com inibidores de HER2, permitindo melhorar o prognóstico destes doentes, e identificar doentes que não beneficiem da terapia anti-HER2, poupando assim efeitos secundários desnecessários”.

Este trabalho será desenvolvido no The Netherlands Cancer Institute (NKI), Robotics & Screening Center, nos Países Baixos. “Sinto-me muito honrado, pois é um prémio que presta homenagem a Maria de Sousa, e muito contente, claro, por o meu projeto ter sido um dos vencedores”, refere o investigador.

Para além dos dois projetos do i3S, esta 3.ª edição do Prémios Maria de Sousa distinguiu ainda dois projetos nas áreas do stress crónico e da doença de Alzheimer, em curso no Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da Universidade do Minho, e um projeto de investigação focado na restrição de crescimento fetal, em curso na Maternidade Dr. Alfredo da Costa,  Os trabalhos vencedores foram escolhidos por um Júri presidido pelo neurocientista Rui Costa, presidente e diretor executivo do Allen Institute, nos Estados Unidos.

A cerimónia de entrega do Prémio Maria de Sousa 2023 teve lugar esta quinta-feira, 16 de novembro, no Teatro Thalia, em Lisboa.

Para além dos cientistas premiados, estiveram presentes Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que presidiu à cerimónia; Margarida Tavares, secretária de Estado da Promoção da Saúde; Pedro Teixeira, secretário de Estado do Ensino Superior; Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos; e Luís Portela, presidente da Fundação BIAL.

O Prémio Maria de Sousa 2023 distinguiu cinco projetos em curso em três instituições de investigação portuguesas. (Foto: DR)

Sobre o Prémio Maria de Sousa

Lançado em 2021, em homenagem à imunologista Maria de Sousa (1939-2020), histórica professora e investigadora da U.Porto, o Prémio Maria de Sousa destina-se a projetos de investigação de excelência no domínio das ciências da saúde,

A primeira edição (2021) do Prémio Maria de Sousa também distinguiu cinco jovens cientistas, incluindo Andreia Pereira, Daniela Freitas e Mariana Osswald, todas elas investigadoras em ciências da saúde do i3S.

A segunda edição distinguiu um projeto de investigação na área do cancro da mama triplo-negativo liderado por Sandra Tavares, também do i3S. O prémio incluiu também a realização de um estágio na Universidade de Utrecht, na Holanda.

Sobre a Fundação BIAL

A Fundação BIAL é uma instituição sem fins lucrativos e de utilidade pública criada em 1994 pela BIAL, em conjunto com o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, com a missão de incentivar o estudo científico do ser humano, tanto do ponto de vista físico como espiritual. É gerida por representantes das duas instituições fundadoras.

Entre as suas atividades destaca-se a atribuição de Prémios científicos no âmbito da investigação em ciências da saúde, nomeadamente o Prémio BIAL de Medicina Clínica e o BIAL Award in Biomedicine, um dos maiores prémios europeus na área da saúde, e o Prémio Maria de Sousa, em parceria com a Ordem dos Médicos.

A Fundação BIAL promove igualmente um programa de Apoios Financeiros a Projetos de Investigação Científica, orientado para o estudo neurofisiológico e mental do ser humano, nas áreas da Psicofisiologia e da Parapsicologia. Desde 1996 a Fundação organiza, de dois em dois anos, os Simpósios “Aquém e Além do Cérebro”, reunindo os mais relevantes nomes na área das Neurociências e da Parapsicologia e os investigadores apoiados.