A imunologista Maria de Sousa, Professora Emérita da Universidade do Porto e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), e Investigadora Honorária do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), faleceu durante a madrugada desta terça-feira, aos 81 anos de idade, depois de uma semana de internamento nos cuidados intensivos do Hospital São José, em Lisboa, vítima de Covid-19.

Uma das primeiras mulheres portuguesas a serem reconhecidas internacionalmente pelas suas descobertas científicas, Maria de Sousa (1939-2020) notabilizou-se pelas cruciais contribuições que deu para a definição da estrutura funcional dos órgãos que constituem o sistema imunitário.

“Maria de Sousa será para sempre lembrada como um dos nomes maiores da Universidade do Porto e da Ciência Portuguesa, tendo o seu trabalho merecido reconhecimento internacional numa altura em que ser cientista, particularmente uma mulher cientista, não era tarefa fácil”, recorda o Reitor da U.Porto, António de Sousa Pereira, perante o que classifica como “uma perda enorme para a Universidade do Porto e para a Academia Portuguesa”.

Uma mulher da Ciência e para além dela

Considerada uma mulher de Ciência, Maria de Sousa deixa, contudo, um legado que vai muito para além das descobertas científicas. Em paralelo, desempenhou igualmente um papel fundamental no desenvolvimento do sistema científico nacional e na criação de toda uma nova geração de cientistas portugueses. Na verdade, muitos dos que estão hoje na linha da frente da investigação do vírus que assola o mundo foram seus estudantes, ou seus discípulos.

Claudio Sunkel, diretor do i3S, lembra a investigadora como “uma grande mulher, uma grande cientista, que nos deixa um enorme legado de rigor e excelência numa carreira cheia de sucessos, (…)  Conheci-a quando cheguei a Portugal e sempre me impressionou a sua inteligência, a sua frontalidade, sua lealdade e sentido de missão”, recorda Sunkel, para quem Maria de Sousa “será sempre recordada como uma das pessoas mais influentes no desenvolvimento da ciência em Portugal”.

Henrique Cyrne Carvalho, diretor do ICBAS , descreve o desaparecimento de Maria de Sousa como “uma das piores notícias que poderíamos ter nestes dias tão conturbados pela epidemia. O ICBAS perde uma das suas melhores, um dos padrões de excelência científica e humanista que caracterizaram a nossa história”.

Amigo pessoal e médico de Maria de Sousa, Cyrne de Carvalho recorda os últimas palavras trocadas com a investigadora: “Falámos por telefone diariamente desde o seu internamento até à sua transferência para a UCI. Apesar da sua óbvia apreensão, mantinha a postura de guerreira destemida, a mesma com que viveu toda a sua vida”, realça o diretor do ICBAS. Também por isso, “a vida da Professora Maria de Sousa não terminou! Prolonga-se para o presente e projeta-se para o futuro através de todos os seus discípulos e de todo o seu conhecimento”.

Conheça outras reações à morte de Maria de Sousa.

Sobre Maria de Sousa

Nascida em Lisboa em 1939 e licenciada em Medicina em 1963, Maria de Sousa cedo deixou o País para prosseguir a sua carreira académica científica em Inglaterra, Escócia e Estados, onde dirigiu  o Laboratório de Ecologia Celular do prestigiado Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova Iorque. Foi nessa fase que se distinguiu internacionalmente  enquanto autora de vários artigos científicos fundamentais para a definição da estrutura funcional dos órgãos que constituem o sistema imunológico, entre os quais o que consagrou a descoberta da área timo-dependente (1966), hoje conhecida universalmente por área T.

Foi precisamente o seu trabalho em doentes com hemocromatose hereditária que trouxe Maria de Sousa para o ICBAS em 1985, para fundar o Mestrado em Imunologia. Enquanto docente e investigadora da U.Porto, foi responsável pela constituição de uma equipa de investigação nova no campo da hemocromatose, repartida pelo ICBAS, pelo Hospital Geral de Santo António e pelo então novo Instituto de Biologia Celular e Molecular (IBMC).

Maria de Sousa na sua Última Aula, lecionada em outubro de 2009, na Reitoria da Universidade do Porto. (Foto: U.Porto)

Em 1996, encabeçou a criação do Programa Graduado em Biologia Básica e Aplicada (GABBA), um programa pioneiro em Portugal, resultado da colaboração entre o ICBAS, as faculdades de Ciências (FCUP) e de Medicina (FMUP), o IBMC, o Instituto de Engenharia Biomédica (INEB) e o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular (IPATIMUP) da U.Porto (estes três últimos, integrados atualmente no i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto).

Condecorada pelo Presidente da República em novembro de 2016 com a Grã-Cruz da Ordem Militar de San’tiago de Espada, Maria de Sousa recebeu inúmeras distinções nacionais e internacionais. Entre as mais relevantes incluem-se o prémio “Estímulo à Excelência”, atribuído pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (2004), o Prémio Universidade de Coimbra (2011), o Prémio Universidade de Lisboa, em 2017, ou o Prémio Mina Bissel, em 2018.

Em outubro de 2009, assinalou a sua jubilação como Professor Catedrática do ICBAS com uma Última Aula no Salão Nobre da Reitoria, o mesmo local onde, um ano mais tarde, lhe seria confiado o título de Professora Emérita da Universidade do Porto.