Uma equipa internacional, liderada pela investigadora Carla Oliveira, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), publicou um estudo na revista Lancet Oncology, onde identifica as alterações no gene CDH1 que especificamente aumentam o risco de desenvolvimento dos cancros associados à síndrome de Cancro Gástrico Difuso Hereditário (HDGC).

O mesmo estudo permitiu também avançar com três novos critérios clínicos, a somar aos atualmente usados, que serão fundamentais para identificar famílias de risco para teste genético, e agir profilaticamente, no sentido de evitar que desenvolvam doenças oncológicas de elevadíssima mortalidade.

Sabe-se que o gene CDH1, que codifica a proteína Caderina-E, está intimamente ligado ao desenvolvimento da síndrome de Cancro Gástrico Difuso Hereditário (HDGC). Neste trabalho, sublinha Carla Oliveira, “estudámos as diversas variantes que ocorrem neste gene e provámos que apenas as alterações que eliminam a produção de Caderina-E aumentam o risco de desenvolver cancro da mama e cancro do estômago“. Existem outras alterações no mesmo gene, nomeadamente aquelas que apenas alteram um aminoácido na proteína do gene CDH1, mas essas não aumentam o risco de desenvolvimento destas doenças.

Esta clarificação das variantes do gene da Caderina-E que acarretam maior propensão para desenvolver síndrome de Cancro Gástrico Difuso Hereditário (HDGC), e de quais os tipos de cancro mais prevalentes em portadores destas alterações “permite-nos repensar os critérios clínicos para teste genético, no sentido de melhorar a gestão clínica de famílias portadoras destas variantes”, acrescenta José Garcia-Pelaez, primeiro autor do artigo.

O trabalho agora publicado é o primeiro estudo que relaciona diferentes tipos de variantes do CDH1 com dados clínicos de doentes reais com síndrome Cancro Gástrico Difuso Hereditário (HDGC). “Foi um trabalho multicêntrico, ou seja, com dados de 29 laboratórios de 10 países Europeus, que incluiu 854 portadores de 398 variantes raras diferentes no gene CDH1, bem como mais de mil familiares desses portadores que foram seguidos clinicamente e desenvolveram cerca de 2000 cancros”, explica Carla Oliveira.

Novos critérios para identificar famílias em risco

Para conseguir realizar este estudo de larga escala, a equipa liderada pela cientista do i3S, recorreu a informação dos testes genéticos e dados clínicos disponíveis na Rede Europeia de Referência em Síndromes de Risco de Tumores (ERN-GENTURIS), cuja representante de Portugal é a própria Carla Oliveira.

“Ao clarificarmos as mutações específicas no gene CDH1 que constituem um risco real para o indivíduo e quais as mutações que não são preocupantes, conseguimos avançar com três novos critérios clínicos, a somar aos atualmente utilizados, que ajudarão a identificar famílias em risco», revela José Garcia-Pelaez.

Carla Oliveira lembra por sua vez que “há famílias com elevada frequência de cancro da mama, mas que, por si só, não reúnem os critérios clínicos atualmente definidos para serem conduzidas para estudo genético de Cancro Gástrico Difuso Hereditário, mas podem possuir mutações no gene CDH1 que geram grande risco para esta síndrome”

Como tal, sublinha a líder do grupo «Expression Regulation in Cancer» do i3S, “as conclusões deste estudo permitem propor critérios clínicos mais assertivos que maximizam a identificação de famílias em risco para esta síndrome”.

Estes novos critérios clínicos serão validados entre pares na próxima reunião do consórcio que reúne os especialistas internacionais nesta doença, que decorrerá no Porto, na primavera de 2024, e que está a ser organizada por investigadores do i3S.

Sobre o Cancro Gástrico Difuso Hereditário

A síndrome de Cancro Gástrico Difuso Hereditário, causada por alterações no CDH1, afeta quase 50 mil pessoas/ano em todo o mundo. Os portadores de algumas dessas alterações apresentam um risco elevado para desenvolver cancros do estômago em homens e do estômago e da mama nas mulheres, e em idade jovem.

Quando se conhece a causa genética da doença, a prevenção, e consequentemente a sobrevida dos portadores, são maximizadas se o estômago e/ou as mamas forem removidos profilaticamente após os 18 anos e antes de a doença se manifestar.

“Como é impossível prever em que idade um portador da mutação desenvolverá cancro, e não existem tratamentos eficazes para estes cancros, estas opções profiláticas, apesar de drásticas, são a melhor opção», explica Carla Oliveira.

Segundo a investigadora, “as implicações não são apenas no sentido preventivo individual, estamos a falar de uma síndrome de cancros hereditários, ou seja, que tem implicações familiares, afetando os doentes, e, com grande probabilidade, também os seus familiares de sangue. Se um indivíduo é portador de uma das mutações de risco agravado para HDGC, os seus familiares de sangue também têm elevada probabilidade de serem portadores e de estarem em risco de desenvolver a mesmo tipo de cancro”, esclarece a investigadora. Por isso, este estudo pode ajudar inúmeras famílias a tomar decisões informadas para gestão individual de risco.

Para além dos parceiros europeus da ERN-GENTURIS, este trabalho contou com participação dos grupos de investigação do i3S «Population Genetics & Evolution» e «UnIGENe», do «Ipatimup Diagnósticos» e de equipas do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), IPO-Porto, GenoMed, Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) da Universidade de Coimbra e Porto Comprehensive Cancer Centre Raquel Seruca (PCCC).