O geneticista Agostinho Antunes , investigador do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR-UP) e professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), integrou a equipa internacional responsável pela descoberta – publicada na prestigiada revista Current Biology – do genoma nuclear de um tigre-de-dentes-de-cimitarra com mais de 47.500 anos.
Foi no contexto dos anteriores trabalhos em genómica evolutiva de grandes felinos, como os leões ou os jaguares, que Agostinho Antunes estudou o genoma nuclear e um exoma de uma amostra fóssil de Homotherium latidens, recuperada de sedimentos permafrost provenientes do território do Yukon no Canada. O objetivo principal foi determinar a relação filogenética daquela espécie com outras espécies vivas de felinos e estudar as adaptações que a tornavam única.
Para o efeito, foram usadas uma variedade de técnicas modernas de sequenciação genómica para mapear todo o genoma do fóssil. As análises filogenéticas deste estudo estão de acordo com estudos anteriores do DNA mitocondrial e revelaram que o Homotherium é altamente divergente (22,5 milhões de anos) das espécies atuais de felinos, sem sinais detetáveis de fluxo génico entre as espécies.
No tempo dos tigres-de-dentes-de-sabre
O Homotherium era um género de felinos de grande porte também conhecido como “tigres-de-dente-de-cimitarra”, uma vez que possuía dentes que se assemelhavam a uma cimitarra, um sabre originalmente oriental, muito leve, afiado e de borda curvada. Tal como o mamute, a preguiça gigante e os felinos dente-de-sabre, o tigre-de-dentes-de-cimitarra esteve provavelmente entre os mamíferos mais carismáticos do Pleistoceno.
Morfologicamente distinto de qualquer espécie de felino existente na atualidade, o Homotherium distinguia-se igualmente pelo seus grandes dentes caninos serrilhados em forma de sabre, os seus membros anteriores poderosos, o dorso inclinado e um córtex visual grande e complexo. Características que explicam o seu grande sucesso na predação da megafauna do Pleistoceno, da qual dependeria a sua sobrevivência.
Embora os resultados não forneçam, ainda, ligações definitivas entre genes e as suas consequências ecológicas, o estudo agora divulgado permitiu conhecer um ponto de partida para estudos funcionais futuros sobre a relação entre a genética e a ecologia desta espécie e que tornaram Homotherium latidens ímpar.
Mais concretamente, as análises genómicas mostram seleção positiva de vários genes envolvidos na visão, na função cognitiva e consumo de energia que revelam que esta espécie teria atividade sobretudo diurna, comportamento social bem desenvolvido e caça cursorial. Finalmente, foram descobertos níveis relativamente altos de diversidade genética, sugerindo que o Homotherium pode ter sido mais abundante do que o registo fóssil sugere.
Segundo Agostinho Antunes, “a diversidade genética encontrada no extinto Homotherium, hipercarnívoro, sugere que estes grandes felinos eram provavelmente mais abundantes do que se pensava, e suportado também pela presença de fósseis encontrados a nível global, exceto na Austrália e na Antártica.”
Os factores da extinção
Fica, porém, uma questão por responder: porque razão esta linhagem foi incapaz de sobreviver até hoje? Que fatores terão levado à sua extinção há seneivelmente 28 mil anos?
Agostinho Antunes confirma que “o extinto Homotherium constitui um felino extremamente bem-sucedido, de ampla distribuição, tendo vagueando pela Terra por milhões de anos”. Contudo, embora não se possa saber com certeza, parece que “algumas das adaptações que levaram ao seu sucesso também podem ter levado ao seu declínio”, refere o investigador do CIIMAR.
Perto do final do Pleistoceno Superior, uma diminuição na disponibilidade de grandes presas pode ter causado uma competição do Homotherium mais direta com outras espécies de felinos, provavelmente mais eficazes na captura das espécies restantes de presas de menores dimensões. As adaptações específicas que o Homotherium adquiriu teriam subitamente se tornado menos vantajosas, deixando a linhagem presa no caminho da extinção.
Animado com os resultados deste estudo, Agostinho Antunes reconhece que “só uma relação interdisciplinar na investigação médica, genómica e bioinformática poderia culminar em resultados maiores que a soma das suas partes”, com impacto relevante no estudo futuro de outros animais extintos
“Os avanços modernos na medicina e na investigação genética, associados a métodos de sequenciação de DNA de última geração, permitem a comparação de genes específicos associados em animais e humanos, o que possibilita inferir mais agora sobre animais extintos”, finaliza.