Uma equipa liderada pela investigadora da Universidade do Porto, Maria do Carmo Vilas-Boas, publicou recentemente um artigo científico na prestigiada revista Frontiers in Neurology, no qual analisa quantitativamente os parâmetros da marcha de vários grupos de doentes com Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF) – também designada por paramiloidose ou “doença dos pezinhos” – em diferentes fases do seu desenvolvimento. Os resultados deste estudo, pioneiro na área, aponta para um conjunto de melhorias no diagnóstico, no acompanhamento da doença e na adaptação terapêutica.
“Este estudo é o primeiro a nível mundial a avaliar a marcha deste tipo de doentes e a encontrar biomarcadores, ou seja, indicadores mensuráveis da severidade ou da presença de algum estado de doença e da sua evolução”, explica Maria do Carmo Vilas-Boas, principal autora do artigo e investigadora do INESC TEC.
“O objetivo da nossa investigação passa por contribuir com conhecimento sobre esta condição e para melhor poder diagnosticar e acompanhar a evolução da doença, permitindo assim um melhor ajuste terapêutico”, acrescenta a também estudante do Programa Doutoral em Engenharia Biomédica da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, (FEUP), e investigadora do Laboratório de Biomecânica da U.Porto (LABIOMEP) e do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP).
Estudo com “resultados promissores”
Neste estudo, foi pedido a todos os participantes que andassem durante alguns minutos, em frente a uma câmara 3-D (chamada Kinect), que monitoriza o movimento corporal em três dimensões. Em seguida, os investigadores utilizaram um software próprio para extrair parâmetros relacionados com a marcha, dos dados corporais fornecidos pela câmara 3-D.
“Este sistema, baseado em câmara Kinect, fornece informações quantitativas de marcha que podem ser úteis para apoiar a avaliação clínica durante a deteção e acompanhamento do início da doença, bem como no desenvolvimento de escalas de avaliação mais objetivas e refinadas para apoio à decisão médica”, afirma Maria do Carmo Vilas-Boas.
O estudo envolveu 30 doentes, com “resultados promissores”, segundo a investigadora, pois foram detetadas diferenças estatísticas nos parâmetros da marcha que não seriam detetáveis apenas por observação humana. Além disso, este sistema de monitorização da marcha é fácil de montar e utilizar em ambiente clínico.
O futuro da investigação
A “Doença dos Pezinhos” é uma amiloidose sistémica hereditária, de transmissão autossómica dominante, com início na idade adulta, progressiva, incapacitante e fatal. Em Portugal, a idade média de incidência da doença foi calculada em 35 anos, sendo que 89% dos doentes apresentam os primeiros sintomas antes dos 40 anos.
Os investigadores, que contam já com larga experiência no estudo da PAF, esperam que esta linha de investigação tenha assim impacto na deteção atempada do início da doença. “Um portador da mutação que provoca esta doença poderá, eventualmente por rotina, realizar esta análise quantitativa da marcha, ficando o médico com uma informação objetiva, que o pode auxiliar a decidir os próximos passos no tratamento da doença”, pondera a investigadora.
Os investigadores esperam vir a aprofundar este estudo no futuro, analisando comparativamente doentes com “doença dos pezinhos” e outras neuropatias causadas por outras doenças, em grupos constituídos por um número maior de doentes. Para além disso, dever-se-á incluir os portadores da mutação que ainda estão assintomáticos (e segui-los até terem sintomas) para perceber como é que as alterações motoras, em particular da marcha desses indivíduos, indiciam o início da doença.
Além de Maria do Carmo Vilas-Boas , o estudo contou com os contributos de João Paulo Cunha (também investigador no INESC TEC e professor na FEUP), e dos investigadores do IEETA, Ana Patrícia Rocha e José Maria Fernandes, e do UCA/SN-CHUP, Márcio Neves Cardoso e Teresa Coelho.