Duas investigadoras do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) publicaram recentemente um comentário na revista Epidemiology and Infection, no qual avaliam o papel desempenhado pelas tecnologias móveis – conceito que engloba, por exemplo, as aplicações para smartphone, o Wi-Fi e o Bluetooth – no combate à pandemia de COVID-19.

As investigadoras destacam a importância destas tecnologias na otimização de estratégias para enfrentar a crise pandémica, mas sublinham igualmente os vários constrangimentos inerentes ao seu uso, nomeadamente os relacionados com a privacidade dos dados e a invasão da esfera pessoal.

“A ideia de elaborarmos este comentário surgiu quando estávamos em confinamento”, explica Raquel Teixeira, uma das autoras do estudo, que é também assinado por Julia Doetsch. “Percebemos que vários países estavam a usar as tecnologias móveis como estratégia para combater a pandemia e decidimos verificar o que estava a ser feito, quais as áreas em que estavam a ser usadas, e as suas vantagens e constrangimentos”.

Através de uma revisão da literatura, as autoras constataram que as tecnologias móveis estavam a ser usadas sobretudo como soluções voltadas para as áreas de comunicação em saúde, prevenção do contágio, apoio à prática clínica e investigação, no contexto da COVID-19.

As vantagens do uso das tecnologias

De acordo com as investigadoras, tecnologias como o Wi-Fi, Bluetooth, aplicações para smartphones e o GPS, podem ajudar a fortalecer os sistemas locais de vigilância, bem como auxiliar o trabalho dos médicos de saúde pública, através do rastreamento precoce de contactos.

As tecnologias surgem ainda como importantes aliados para apoiar a prática clínica, fornecendo informação sobre medicação, diretrizes específicas e comportamentos a adotar em contexto de pandemia; e impulsionar a investigação epidemiológica, ao possibilitar a recolha de dados longitudinais em tempo real, e fazendo posteriormente a ligação desses dados com os de coortes já existentes.

Privacidade é um dos problemas

Mas, apesar do seu enorme potencial, a utilização das tecnologias móveis na área da saúde pública suscita várias dúvidas. “A recolha massiva de informação, a par com o seu armazenamento ilimitado em grande escala, e em múltiplos servidores, levanta questões relacionadas com a privacidade dos dados, a invasão da esfera pessoal e a confiança do público”, refere Julia Doetsch.

Desta forma, importa sempre garantir que aspetos como a transparência, a conformidade com a proteção dos dados, o anonimato, a confidencialidade e a eliminação dos dados recolhidos são acautelados.

Note-se que, precisamente com o intuito de ultrapassar estes desafios, várias iniciativas têm procurado usar tecnologias que dispensem a utilização de dados pessoais. Por exemplo, em Portugal, a aplicação StayAway COVID usa a tecnologia Bluetooth e gera identificadores aleatórios não associados ao utilizador para fazer o rastreio anónimo das redes de contágio.

As tecnologias móveis não são por si só uma solução

Para as investigadoras do ISPUP, “as tecnologias móveis são uma realidade na área da Saúde Pública e irão ajudar a definir o caminho para o desenvolvimento e otimização de estratégias para enfrentar a crise pandémica”.

“O que temos vindo a aprender com a aplicação das tecnologias móveis, no contexto da pandemia de COVID-19, pode ser extremamente útil para nos prepararmos para uma próxima epidemia ou pandemia”.

No entanto, estas tecnologias não constituem por si só uma solução para os problemas de saúde pública nem substituem políticas integradas que visem responder a crises como a que atualmente vivemos. “São, sim, um recurso complementar a essas políticas e devem ser inseridas em estratégias de combate à pandemia”, referem Raquel Teixeira e Julia Doetsch.

Por fim, há que considerar também o problema da exclusão digital. Vários países têm ainda uma franja significativa da população que não tem acesso a estas tecnologias nem conhecimentos suficientes para as poderem usar. Deste modo, “há que pensar em estratégias que promovam a equidade digital na área da saúde, de modo a beneficiar as populações mais vulneráveis”, rematam.

O comentário, desenvolvido no âmbito da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do ISPUP, tem como título The multifaceted role of mobile technologies as a strategy to combat COVID-19 pandemic, e pode ser consultado aqui.