É a mais recente descoberta científica obtida a partir do Very Large Telescope (VLT), do Observatório Europeu do Sul (ESO): uma das estrelas em órbita do buraco negro supermassivo, situado no centro da Via Láctea, desloca-se tal como previsto pela Teoria da Relatividade Geral de Einstein. A confirmação foi feita por uma equipa de investigação internacional, da qual fez parte Paulo Garcia, professor e investigador do Departamento de Engenharia Física da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).
Através de observações da estrela S2, uma mais próximas encontradas em órbita do gigante massivo conhecido por Sagitário A*, os cientistas verificaram que a sua órbita apresenta a forma de uma roseta e não a de uma elipse, como defendia a Teoria da Gravitação, de Newton.
Este resultado, procurado há muito tempo, foi possível graças a medições cada vez mais precisas conseguidas ao longo de 30 anos e que permitiram aos cientistas desvendar os mistérios do “monstro” que se esconde no coração da Galáxia.
“A Relatividade Geral de Einstein prevê que as órbitas ligadas de um objeto em torno de outro não são fechadas, como descrito na Gravitação Newtoniana, mas que processam na direção do plano do movimento. Este efeito famoso — – conhecida por precessão de Schwarzchild e observado pela primeira vez na órbita que o planeta Mercúrio descreve em torno do Sol — foi a primeira evidência a favor da Relatividade Geral. Detetámos agora, um século mais tarde, este mesmo efeito no movimento de uma das estrelas que orbita Sagitário A*”, explica Reinhard Genzel, diretor do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre (MPE) em Garching, Alemanha, e coordenador do projeto.
Segundo Genzel, que coordenou todo o programa de 30 anos que deu origem a este resultado, esta descoberta observacional reforça igualmente “a evidência que aponta para Sagitário A* ser um buraco negro supermassivo com 4 milhões de massas solares”.
“Dançar” em torno de um buraco negro
Situado a 26 000 anos-luz de distância do Sol, [o buraco negro], Sagitário A* e o enxame estelar denso que o rodeia constituem um “laboratório” único para testar a Física num regime de gravidade extrema, que, se assim não fosse, permaneceria inexplorado. Uma destas estrelas, a S2, desloca-se em direção ao buraco negro atingindo uma proximidade de 20 mil milhões de km (o que corresponde a 120 vezes a distância entre o Sol e a Terra). Na sua máxima aproximação ao buraco negro, a S2 desloca-se pelo espaço a uma velocidade de quase 3% da velocidade da luz , completando uma órbita a cada 16 anos.
A maioria das estrelas e planetas têm uma órbita não circular e por isso o seu deslocamento afasta-as e aproxima-as do objeto que orbitam. A órbita da S2 precessa, o que significa que a localização do ponto mais próximo do buraco negro supermassivo muda a cada órbita, de tal modo que a órbita seguinte se encontra rodada relativamente à anterior, fazendo assim com que o seu percurso siga a forma de uma roseta.
Portugal na linha da frente
Este trabalho foi levado a cabo por uma equipa internacional que contou com colaboradores de França, Portugal, Alemanha e do ESO. Esta equipa integra o projeto GRAVITY, nome retirado do instrumento desenvolvido para o Interferómetro do VLT, o qual combina a radiação coletada pelos quatro telescópios principais de oito metros do VLT, transformando-os num supertelescópio com uma resolução equivalente a um telescópio de 130 metros de diâmetro.
A participação portuguesa no GRAVITY foi liderada por investigadores do Centro de Astrofísica e Gravitação (CENTRA), nos quais se inclui Paulo Garcia. Para além do docente da FEUP, participaram ainda Vítor Cardoso, professor do Instituto Superior Técnico (IST) da Universidade de Lisboa, e António Amorim, professor da Faculdade de Ciências (Ciências) da U.Lisboa.
Em 2018, esta mesma equipa revelou outro efeito previsto pela Relatividade Geral ao observar a radiação emitida pela S2 a ser esticada no sentido dos comprimentos de onda maiores, na altura em que esta estrela passou perto de Sagitário A*. “O nosso resultado anterior mostrou que a radiação emitida pela estrela sofre os efeitos da Relatividade Geral. Agora mostrámos que também a própria estrela sente o efeito da Relatividade Geral”, diz Paulo Garcia.
No próximo dia 18 de abril, comemoram-se os 65 anos da morte de Albert Einstein. Para Vítor Cardoso, “este resultado mostra que a teoria da relatividade geral se mantém válida na proximidade de um buraco negro com milhões de massas solares”. O GRAVITY permitirá estudar a gravidade ainda mais perto do horizonte do buraco negro. “Iremos investigar se haverá mais física, além da relatividade geral de Einstein, nessa última fronteira”, conclui Vítor Cardoso.
Sobre o ESO
Composto por 16 Estados Membros (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça, a que se juntam ainda o Chile e a Austrália), o ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em Astronomia e é de longe o observatório astronómico mais produtivo do mundo.
O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na conceção, construção e operação de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. Para isso, mantém atualmente em funcionamento três observatórios de ponta no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor.
O ESO é também um parceiro principal em duas infraestruturas situadas no Chajnantor, o APEX e o ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. E no Cerro Armazones, próximo do Paranal, o ESO está a construir o Extremely Large Telescope (ELT) de 39 metros, que será “o maior olho do mundo virado para o céu”.