Quando em 1931 a “primeira” Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) fechou portas por ordem da Ditadura Militar que governava o país, a escola disponha já de um museu de arqueologia com um considerável acervo histórico. As peças acabariam por ser distribuídas por outros museus da universidade e só agora serão novamente reunidas na exposição “Culturas e Geografias”, integrada nas comemorações do centenário da FLUP.

Com abertura ao público marcada para 6 de dezembro, no polo central do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (edifício da Reitoria), a exposição dá a conhecer as coleções que integraram o acervo museológico e artístico da Faculdade de Letras durante a sua primeira fase de existência (1919-1931).

São 250 peças de arqueologia e etnografia que permitirão aos visitantes fazer uma viagem pela história das civilizações, durante a qual poderão explorar vivências e rituais das primeiras comunidades humanas em cada um dos cinco continentes.

Cerâmica Muisca, da Colômbia, representações de caciques, indicando uma posição social elevada. (Foto: José Eduardo Cunha)

Uma coleção conquistada pela Guerra

Estas peças chegaram ao Porto em 1926, provenientes do Museu de Berlim, depois dos governos português e alemão acordarem a troca da coleção arqueológica apreendida no vapor germânico Cheruskia no decurso da I Guerra Mundial. Tendo aportado em Lisboa em fevereiro de 1916, proveniente de Bassorá (atual Iraque), o Cheruskia transportava um importante espólio reunido durante uma expedição à antiga Mesopotâmia liderada pelo arqueólogo alemão Walter Andrae.

O navio acabaria por ser apreendido no momento em que Portugal abandonou a sua posição de neutralidade no conflito e se juntaria aos Aliados na luta contra o Império Germânico. As valiosas peças assírias recolhidas haveriam de ser colocadas à guarda do então Museu de Arqueologia Histórica da Faculdade de Letras da U.Porto e devolvidas à Alemanha, oito anos após o Armistício, em troca de um vasto espólio de peças históricas do Museu de Berlim, originárias de distintas culturas e geografias, remontando às primeiras civilizações da história da humanidade.

Destacam-se particularmente os núcleos da Melanésia – único a nível ibérico, permite observar a utilização de madeiras e fibras vegetais pelas comunidades do Pacifico –, da Mesoamérica, com um curioso conjunto de escultura Azteca, e do Antigo Egipto, que constitui a segunda maior coleção de antiguidades faraónicas conservadas em Portugal.

Esta é, pois, uma oportunidade única para admirar de novo este acervo reunido pela primeira vez nas últimas oito décadas. Organizada em parceria com o Museu Nacional de Soares dos Reis, a exposição “Culturas e Geografias” estará patente no Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto até 19 de julho de 2020, de terça a domingo, das 10h00 às 18h00 (último acesso às 17h30).

Estatuetas funerárias do Antigo Egipto, que acompanhavam o morto com o objetivo de o ajudarem nas tarefas no além. (Foto: José Eduardo Cunha)

Cem anos de uma história interrompida

O ano de 2019 marca o primeiro centenário da fundação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, um século de história que ficaria marcado pela extinção formal daquela escola nove anos apenas após a sua criação.

Fundada em 1919 por Leonardo Coimbra, a Faculdade de Letras viria a ser extinta formalmente em abril de 1928 pela Ditadura Militar instituída em Portugal dois anos antes. A partir de 1928, as novas inscrições foram rejeitadas e a escola acabaria por ser encerrada em 1931, quando se realizou o exame de licenciatura do último aluno inscrito.

Seriam precisos 30 anos para que a Universidade do Porto voltasse a ter uma Faculdade de Letras. Em 1961, no ano em que celebrou o primeiro cinquentenário da própria Universidade, viria a ser restaurada a FLUP, que abriu portas aos primeiros alunos no ano letivo de 1962/63.

A partir dessa data, a Faculdade de Letras assumir-se-ia como uma das escolas mais ativas da Universidade do Porto, expandindo-se por novos cursos, áreas de conhecimento e localizações até se fixar no edifício construído de raiz nos anos 90 no polo do Campo Alegre.

Uma história que tem vindo a ser recordada ao longo deste ano de 1919 com um vasto conjunto de exposições, conferências e outras iniciativas desenhadas para comemorar o centenário da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.