É, provavelmente, um retrato do Porto como nunca viu. Seja bem-vindo ao recinto. Vamos assistir a duelos. Entre o vício e o amor. Entre Rendimento Social de Inserção e o Orçamento de Estado. Também entre a vida e a morte. São micronarrativas, justapostas, como quem fixa uma manta de retalhos sociais. Carlos Ruiz Carmona serve a Cru estas pulsações de coração acelerado, incredulidades, estas histórias bem reais de quem vive na cidade do Porto. O trabalho do realizador espanhol passa na Casa Comum (à Reitoria) da Universidade do Porto na noite de 24 de março, a partir das 21h30. A entrada é livre.

É um cenário de terra batida, com o que poderá ser um bairro social, em pano de fundo. Há uma conversa que termina porque um dos intervenientes a decide interromper e virar costas. Quem fica ainda diz: “Oh Bino, tu não és assim”… Quem vai, já de olhar fixo noutro horizonte, reforça: “Mas olha, estou a ficar. O meu coração derretia muito e agora está a ficar em pedra”.

Em Cru, Carlos Ruiz abre a porta da entrada e faz o espetador entrar para dentro das casas. Dos quartos. Das histórias íntimas de vida. Entre pessoas e entre pessoas e instituições. Ficamos perante uma “teia de histórias de vida, eventos, espaços, instituições, profissões entrelaçadas por uma sinfonia urbana de contrastes, de realidades distintas, constituídas por múltiplas perspetivas”.

Não se repetem eventos, espaços ou personagens, de resto, não há sequer personagens principais. Nem julgamentos. A construção dessa ética de valores caberá ao espectador e ao seu contexto.  Não se argumenta em favor de “qualquer ponto de vista”. Entre perguntas, muito mais do que respostas, vamos entrando e saindo de “seções de histórias de vida”.

Cru. (Foto: DR)

Promover a reflexão

A intenção do realizador é, precisamente “dar a sensação de que a narrativa ainda está em construção”. O enredo impede que o espectador antecipe o conteúdo que se segue. Carlos Ruiz constrói uma narrativa que vai “comparando e contrastando diferentes realidades e assuntos”. Interessa-lhe lançar inquietações. Confrontar-nos com o nosso lugar (de conforto). E retirar-nos daí. Promover um choque frontal com uma trama de barreiras, desafios, fenómenos e vidas que são território fértil à reflexão.

“O sofrimento humano, a miséria, a violência, a saúde, a educação ou a justiça”. São múltiplas as questões que Carlos Ruiz Carmona lança, qual anzol, tal como a realidade que captou. Podem resumir-se assim: “Que lugar é este em fundo? Como servir a narrativa dos homens e mulheres deste Porto que não atravessam o rio”. E ainda: “Sirva-se cru”.

Cru foi produzido no Porto durante um período de quase 10 anos. O documentário pretende questionar os valores da sociedade moderna e a natureza humana através de um retrato psicológico contemporâneo não-linear de histórias íntimas de vida.

O projeto recebeu o apoio do ICA, em 2016, e a estreia mundial aconteceu em novembro de 2017, na Competição Internacional de um dos maiores Festivais de Cinema Documentário Europeu – o DOK LEIPZIG. No ano seguinte, estreou na Suíça, no Festival Internacional de Visions du Reel.

Em 2018, recebeu uma Menção Honrosa na Competição Internacional no Festival Internacional de Avanca.

Sobre Carlos Ruiz Carmona

Nascido em Barcelona e com formação em Cinema no Reino Unido, Carlos Ruiz Carmona é realizador, investigador e professor. Doutor em Ciência e Tecnologia das Artes, com especialização em Cinema e Audiovisual (documentário) produziu várias curtas metragens e documentários, tendo já recebido vários prémios.

Atualmente a viver no Porto, é docente na Universidade Católica Portuguesa, Escola das Artes do Porto e Investigador integrado no CITAR. Coordena o grupo Cinema, Música, Som e Linguagem da AIM (Associação de Investigadores da Imagem em Movimento).

No próximo dia 14 de abril, à mesma hora, apresentamos Retrato, do mesmo realizador.