Quando cessa a atividade mineira, o que fica no território, no corpo e na memória das populações? “Pensar a saúde dos solos e possíveis implicações de natureza poética” foi o mote do trabalho que levou seis artistas, a maior parte com ligações à Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), a desenvolverem residências artísticas não só para conhecer o território, mas também para envolver a comunidade local em atividades educativas e artísticas. E é destas que nasce Escombreiras, título da exposição que pode ser visitada durante um mês, de 11 de maio a 11 de junho, no Laboratório Ferreira da Silva do Museu de História Natural e da Ciência da U.Porto (MHNC-UP).

Reinterpretações do que fica em pó

Partiram para o terreno com os sentidos alerta. Identificaram tecnologias utilizadas nos locais e cercanias, recolheram material e criaram “efabulações e reconstituições artísticas coletivas”, começa por apresentar Graciela Machado.

Nas minas de Regoufe/ Complexo mineiro da Poça da Cadela, um sítio de extração de volfrâmio particularmente ativo no período da segunda guerra mundial, a docente da FBAUP e investigadora I2ADS (Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade) desenvolveu um processo de reprodução de imagens. Depois seguiu para Tartu, na Estónia, onde, durante dois meses, num museu de imprensa, identificou tecnologias de reprodução de imagem usadas em livros.

No regresso, a artista escolheu como local para a residência um observatório da ciência, o Instituto Geofísico da U. Porto. Aí colocou uma casa de sabão.

Exposição “Escombreiras”, patente no Laboratório Ferreira da Silva. (Foto: DR)

Domingos Loureiro perseguiu a ocupação mineira, sobretudo do volfrâmio, no Parque das Serras do Porto, da qual resultou uma intervenção artística que valoriza o simbólico como ação de recuperação do território e da paisagem.

Susana Soares Pinto focou-se na antiga zona mineira do Pejão (Castelo de Paiva), nas imediações do Cavalete do Fojo. Obedecendo a uma abordagem artística, mas também ecológica e social, desenvolveu com a comunidade, durante dois anos, uma “intervenção experimental de remediação”. Em parceria com a autarquia de Castelo de Paiva, as associações Sol Nascente e Arcaf, o ICNF e o CENASEF, Susana Soares Pinto desenhou um plano de intervenção com um charco e espécies autóctones.

Carla Cruz, Cláudia Lopes e Miguel Leal trabalharam, sobretudo, o território do Geoparque de Arouca. Procuraram o que restou das atividades mineiras na paisagem, mas também os “resíduos politico-poéticos” deixados nos corpos e na memória das gentes e da terra.

Exposição “Escombreiras”, patente no Laboratório Ferreira da Silva. (Foto: DR)

Porquê Escombreiras?

Os trabalhos expostos foram desenvolvidos no âmbito do projeto de investigação SHS – Soil Health Surrounding que pretendia avaliar o impacto dos resíduos provenientes das atividades mineiras da exploração de carvão depositados em escombreiras (locais onde se acumulam fragmentos de material não aproveitável).

O objetivo passava ainda por avaliar esta fonte de poluição nos solos e aquíferos (rochas porosas), identificar medidas de mitigação, recuperar a saúde destes recursos, abordar o respetivo impacto sociológico e a perceção dos riscos por parte da  população.

Ora, sendo esta a matéria prima, os artistas focaram o seu trabalho na ideia de “um acumulativo de resíduos no sentido mais abrangente, isto é, resíduos depositados em escombreiras, arquitetónicos, mas também os resíduos politico-poéticos deixados nas paisagens e nos corpos, na memória das gentes e da terra e além fronteiras”, explica Graciela Machado. Daí a escolha do nome.

Exposição “Escombreiras”, patente no Laboratório Ferreira da Silva. (Foto: DR)

Sobre os artistas

Graciela Machado é docente na FBAUP e investigadora do i2ADS. Coordenadora do projeto Pure PRINT e desde 2023 moderadora do Grupo de interesse Pure Print Archeology onde implementa a metodologia ‘arqueologia tecnológica’ como base de investigação artística. Gravadora focada em questões de exploração de tempo e paisagem.

Domingos Loureiro é docente na FBAUP e investigador do i2ADS, onde trata questões relacionadas com o território e a pintura.

Miguel Leal é docente na FBAUP e investigador do i2ADS. O seu trabalho oscila entre diferentes formatos e suportes. Estudou Belas Artes, Pintura, História da Arte, Filosofia e comunicação e Linguagem.

Susana Soares Pinto é antiga estudante da FBAUP e investigadora no i2ADS. Cria instalações imersivas recorrendo ao vídeo, som e desenho com colaborações de outros artistas. Tem realizado trabalho junto de comunidades, envolvendo-as no processo de realização da obra.

Carla Cruz é colaboradora i2ADS e professora na EAAD Universidade do Minho. Entre 2011 e 2020 desenvolveu o projeto Finding Money com Antonio Contador, e desde 2007, mobiliza com Ângelo Ferreira de Sousa a Associação de Amigos da Praça do Anj@. Desde 2020 desenvolve um projeto especulativo sobre temporalidades não-humanas com Cláudia Lopes.

Claudia Lopes é artista e facilitadora de projetos artísticos participados. Desde 2001 que apresenta a sua obra em exposições individuais e coletivas.

Escombreiras pode ser visitada no Laboratório Ferreira da Silva (com entrada pelo Jardim da Cordoaria) de terça-feira a domingo, das 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00 (Última entrada: 17h30).