Os profissionais de saúde devem estar mais atentos aos sintomas de perturbação obsessivo-compulsiva (POC) no período pós-parto, quer nas mães, quer nos pais. O objetivo é diagnosticar esta doença, que é mais comum do que se julga, embora seja frequentemente esquecida e subdiagnosticada.

O alerta é deixado por um grupo de especialistas da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), com base nos resultados de um estudo publicado na última edição do The European Journal of Psychiatry.

O estudo consistiu numa uma revisão sistemática que incluiu 36 estudos de diferentes países realizados até setembro de 2022. De acordo com os investigadores Inês Ferra, Miguel Bragança e Ricardo Moreira, todos da FMUP, os dados mostram que as mulheres e os homens correm maior risco de sofrer de perturbação obsessivo-compulsiva (POC) no período pós-parto, em particular os que são pais pela primeira vez, e que, nestes, o problema pode surgir logo no primeiro mês.

Entre 2,4% a 9% das mulheres e 1,7% dos homens desenvolvem POC no pós-parto. A prevalência estimada ao longo da vida, na população geral, é de 1,3%. Ter um histórico de depressão, ansiedade e/ou insónia é um fator de risco. Habitualmente, o início dos sintomas é rápido, ocorrendo nas primeiras oito semanas após o nascimento do bebé.

As obsessões mais frequentes relacionam-se com o medo de infligir danos, de agredir ou de contaminar os bebés (neste caso através das mãos, biberões ou alimentos). Mas existem outros exemplos documentados, como a necessidade de simetria ou de exatidão.

Entre as compulsões mais relatadas estão, designadamente, a necessidade de verificar, limpar ou lavar reiteradamente os bebés ou objetos com os quais estes pudessem entrar em contacto. Evitar tocar no bebé ou procurar garantias são também atitudes características desta patologia.

POC: Uma realidade “ignorada e negligenciada”

Os autores sublinham que o pós-parto tem sido apontado como um período de maior vulnerabilidade para algumas doenças mentais, falando-se muito na depressão e na psicose pós-parto, enquanto a POC parece “ignorada e negligenciada”.

No entanto, alertam os cientistas, é preciso ter cuidado para não confundir pensamentos e compulsões intrusivos indesejáveis, mas comuns, com sintomas de verdadeira doença. Para que exista diagnóstico, exige-se que haja sofrimento significativo ou uma interferência considerável na relação entre pais e bebés e na vida familiar.

Um dos motivos para a dificuldade do diagnóstico é a tendência destes pais para esconderem o que estão a pensar ou a sentir, muitas vezes por culpa ou vergonha. Por isso, os profissionais de saúde que atuam na fase perinatal devem estar “familiarizados” e “sensibilizados” para os sintomas e para a necessidade de abordar o problema.

Embora não se saiba exatamente qual será o impacto da POC no vínculo e na relação futura entre pais e filhos, sobretudo em casais homossexuais, os dados deste estudo da FMUP recomendam a criação e implementação de programas de prevenção dirigidos sobretudo às mulheres e homens que vão ser pais e que estão em maior risco, ou seja, os que têm historial de depressão, ansiedade e insónia.

O referido trabalho, uma revisão sistemática que incluiu 36 estudos de diferentes países realizados até setembro de 2022, tem como autores os investigadores Inês Ferra, Miguel Bragança e Ricardo Moreira, da FMUP.