Um novo estudo com a participação de investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) deu mais um importante passo para compreender os mecanismos envolvidos na dor pélvica crónica, condição que atinge milhares de mulheres com endometriose e síndrome da bexiga dolorosa (cistite intersticial).

Os resultados deste trabalho, integrado no Translational Research in Pelvic Pain (TRiPP) project e já publicado na prestigiada revista científica Pain, mostram que a dor pélvica crónica, uma dor persistente, contínua ou recorrente que afeta a pelve e parte inferior do abdómen ao longo de seis meses ou mais, pode estar associada a uma sensibilização do sistema nervoso central.

Nesta investigação, 85 mulheres foram avaliadas através de testes específicos, os “QST – Quantitative Sensory Testing”, tendo-se utilizado a zona do abdómen inferior e pelve, enquanto a zona dos pés foi usada como zona de controlo. Estes testes, realizados na FMUP, analisam o sistema nervoso somatossensitivo e avaliam os limiares de dor e de deteção de diferentes tipos de estímulos, como a temperatura, toque, vibração, entre outros, relacionados com vias neuroanatómicas e fibras nervosas específicas.

“As nossas conclusões indicam que a maioria das mulheres com dor pélvica crónica tem alterações significativas da função das vias nervosas sensoriais ou sensitivas, nomeadamente um estado de hiperatividade do sistema nervoso e um aumento da resposta aos estímulos dolorosos”, explica Joana Ferreira-Gomes, investigadora da FMUP e uma das autoras.

De acordo com os investigadores, estes doentes são mais sensíveis quer a estímulos profundos, como pressão, quer a estímulos cutâneos mais superficiais e subtis, o que sugere a existência de “modificações nas vias nervosas de processamento da dor” e um papel importante dos mecanismos centrais (sistema nervoso central).

Estas modificações podem explicar o facto de não existir, muitas vezes, uma lesão capaz de explica a dor pélvica crónica, assim como a desproporcionalidade entre as queixas e os achados nos exames físico ou exames complementares. No entanto, como salientam os autores, “os mecanismos exatos que provocam essas alterações são ainda desconhecidos”.

Este estudo mostrou também “a importância de estratificar estes doentes em subgrupos com base no seu fenótipo”, de forma a perceber qual o mecanismo mais envolvido em cada caso” e a estabelecer “um plano de controlo de dor mais personalizado”.

Segundo Joana Ferreira Gomes, apesar da heterogeneidade destas doenças, “foi possível agrupar estas mulheres, consoante o seu perfil, em quatro subgrupos, com mecanismos subjacentes diferentes”.

Um dos grupos refere-se a mulheres com sensibilidade aumentada (hiperalgesia) à temperatura, nas quais serão determinantes os mecanismos periféricos, como a irritabilidade de nociceptores, que estão presentes, por exemplo, na pele e nos músculos, e que convertem os estímulos em impulsos nervosos.

“Isto pode ter um enorme impacto na compreensão dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos e na seleção de tratamentos eficazes”, afirmam os autores.

O estudo “Comprehensive quantitative sensory testing shows altered sensory function in women with chronic pelvic pain: results from the Translational Research in Pelvic Pain (TRiPP) Study” é da autoria dos professores e investigadores da FMUP Joana Ferreira-Gomes, Ana Charrua, Pedro Abreu-Mendes e Francisco Cruz, assim como de investigadores de vários países europeus e dos EUA.