Melhorar a qualidade de vida dos sobreviventes de leucemia dos linfócitos T, desenvolver imunoterapias para o tratamento de doenças infeciosas e combater a resistência aos antibióticos são os principais objetivos dos três projetos liderados por investigadores do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), que acabam de ser distinguidos no âmbito do 6.º Concurso CaixaResearch de Investigação em Saúde 2023, promovido pela Fundação “la Caixa”, em parceria com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

Estas três propostas do i3S estão entre um total de 33 projetos (portugueses e espanhóis) de investigação em biomedicina e saúde considerados de excelência, que vão receber mais de 25 milhões de euros nos próximos três anos. Das 152 candidaturas portuguesas apresentadas foram selecionadas 11 que, no seu conjunto, serão financiadas com 7,9 milhões de euros.

Cerca de um milhão de euros serão aplicados no projeto liderado por Nuno Rodrigues dos Santos denominado «Decifrar o efeito da leucemia no sistema imunitário para além da doença», que resulta de um consórcio com o grupo do i3S liderado por Nuno Alves, com o Centro de Biología Molecular Severo Ochoa – Consejo Superior de Investigaciones Científicas, em Espanha, e com a University of Oxford, no Reino Unido.

O projeto liderado por Nuno Alves foca-se em melhorar a conceção de imunoterapias para o tratamento de doenças infeciosas, imunodeficiências e tumores e será financiado com 500 mil euros.

A mesma quantia foi atribuída à proposta apresentada por Didier Cabanes, que tem como objetivo encontrar novas estratégias para combater a resistência aos antibióticos.

Melhorar o sistema imunitário de sobreviventes de leucemia

A leucemia é o cancro mais comum nas crianças com menos de 14 anos e a leucemia dos linfócitos T, em específico, afeta 20 a 35 crianças por um milhão de habitantes. Graças aos tratamentos atuais, a taxa de remissão é superior a 80 por cento na população infantil e de 50 por cento na população adulta, no entanto, estes sobreviventes desenvolvem frequentemente doenças imunológicas numa fase mais avançada da vida.

Perante isso, sublinha Nuno Rodrigues dos Santos, “é essencial compreender como, quando e por que razão doenças ou perturbações de foro imunológico se desenvolvem como consequência da leucemia original. Estudos recentes indicam que isto se deve aos efeitos da leucemia na medula óssea e no timo, os órgãos onde se formam os linfócitos B e T, dois tipos de células imunitárias”.

O projeto agora premiado, explica o investigador, fará uso de modelos de murganhos geneticamente modificados que replicam o desenvolvimento, o tratamento e a remissão da leucemia de linfócitos T. O objetivo é “compreender como as células leucémicas afetam a regeneração, a manutenção e a função do sistema imunitário durante a doença e após a remissão”.

Além dos efeitos tóxicos conhecidos dos tratamentos de quimioterapia, é essencial distinguir entre os efeitos diretos da leucemia e os causados pela quimioterapia. O objetivo final é “abrir caminho à conceção de novas terapias direcionadas para o sistema imunitário que melhorem a qualidade de vida dos sobreviventes”.

Controlar o funcionamento do timo

Também na área do sistema imunitário, o projeto liderado por Nuno Alves centra-se no estudo dos mecanismos moleculares que regulam a produção de linfócitos T e as suas implicações na resposta contra as doenças infeciosas.

Os linfócitos T são células imunitárias do sangue que, à medida que envelhecemos, se tornam menos eficazes no combate às infeções e a sua resposta às vacinas diminui. Como os linfócitos T são produzidos no timo, este órgão desempenha um papel essencial no estabelecimento de respostas imunitárias antimicrobianas. A deterioração da função do timo que ocorre com a idade tem consequências negativas significativas para as pessoas de idade avançada e para as pessoas imunodeprimidas, como os doentes com cancro ou as pessoas que receberam recentemente um transplante de medula óssea.

No âmbito deste projeto, “queremos compreender os mecanismos moleculares que regulam a produção de linfócitos T no timo com o objetivo de controlar o funcionamento deste órgão”, explica Nuno Alves.

Os conhecimentos obtidos, concretiza o imunologista, “serão utilizados para melhorar a conceção de imunoterapias para o tratamento de doenças infeciosas, bem como de imunodeficiências e tumores”. Para alcançar este objetivo, a equipa irá investigar a vários níveis, desde a análise celular ao estudo de modelos de infeção em ratos, com o objetivo de compreender melhor a função do timo in vivo.

Duas formas de atacar as bactérias super-resistentes

Já o projeto coordenado por Didier Cabanes foca-se num dos maiores desafios do século XXI a nível de saúde: a resistência aos antibióticos. As bactérias gram-positivas, como os estafilococos, os enterococos ou os estreptococos, representam uma séria ameaça à saúde pública e, apesar dos antibióticos conseguirem eliminar alguns microrganismos, o certo é que também contribuem para o aparecimento de bactérias resistentes, que podem, assim, proliferar sem concorrentes. Paralelamente, sublinha o investigador, «verifica-se também uma estagnação no desenvolvimento de novos antibióticos.

Por estas razões, e também para preservar a microbiota humana, que é essencial para a saúde, sublinha Didier Cabanes, “estão a ser procuradas estratégias terapêuticas alternativas aos antibióticos, que podem, por exemplo, ter como objetivo desativar a virulência dos microrganismos ou “ressensibilizar” as bactérias resistentes para que se tornem novamente suscetíveis aos antibióticos disponíveis”.

Em estudos anteriores, a equipa liderada por Didier Cabanes demonstrou que determinados glicopolímeros específicos presentes na parede celular das bactérias gram-positivas são cruciais não só para a patogenicidade bacteriana, mas também para a sua resistência às defesas do hospedeiro e aos antibióticos.

Com o projeto atual, os investigadores pretendem “decifrar os mecanismos moleculares envolvidos neste processo, a fim de desenvolver novos medicamentos que, ao inibirem a glicosilação da parede celular, reduzam simultaneamente a capacidade patogénica das bactérias e aumentem a sua suscetibilidade ao sistema imunitário do hospedeiro e à ação dos antibióticos”.

Sobre os prémios CaixaResearch de Investigação em Saúde

A cerimónia de entrega dos prémios CaixaResearch de Investigação em Saúde 2023 teve lugar esta quinta-feira, 23 de novembro, no Museu da Ciência CosmoCaixa de Barcelona.

Na ocasião, o diretor-geral da Fundação ”la Caixa”, Antonio Vila Bertrán, sublinhou que “a investigação científica é fundamental para o progresso social e para o bem-estar dos cidadãos. A ciência não só nos ajuda a construir a sociedade do conhecimento, mas também é a chave para melhorar a qualidade de vida daqueles que mais necessitam”.

O Concurso CaixaResearch de Investigação em Saúde foi criado em 2018 com o objetivo de apoiar projetos de investigação de base, clínica e translacional de excelência científica e com impacto social nas áreas de estudo das doenças cardiovasculares e infeciosas, da oncologia e das neurociências, assim como projetos que desenvolvem tecnologias facilitadoras nestas áreas.

Desde o início do Programa, a dotação do concurso totaliza 120,5 milhões de euros para 171 projetos, 117 dos quais liderados por equipas espanholas e 54 por grupos de investigação portugueses.

Em Portugal, a iniciativa é realizada em colaboração com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), pertencente ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que financia com 2,3 milhões de euros cinco dos 11 projetos portugueses selecionados nesta edição.