Didier Cabanes gosta de desafios. E quanto mais difíceis, melhor. Como aquele que o levou a subir os quase 5 mil metros do vertiginoso Mont Blanc – a mais alta montanha dos Alpes – enquanto militar nas tropas de elite do exército Francês. Hoje, este biólogo “apaixonado” por bactérias vive um desafio bem diferente – mas nem por isso mais fácil – nos laboratórios do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S). É ali que coordena e dirige o Centro de Diagnóstico i3S COVID-1, uma unidade pioneira que se tem destacado no apoio à realização do diagnóstico molecular do SARS-CoV-2.
Mas o mundo ainda estava muito longe de “virar do avesso” quando o jovem Didier se deixou fascinar pela capacidade das bactérias subverterem as funções celulares e colonizarem os seus hospedeiros. E foi com este fascínio que decidiu estudar as interações estabelecidas entre o hospedeiro e as bactérias
No seu projeto de doutoramento no Institut National de la Recherche Agronomique (INRA), de Toulouse, estudou genes de bactérias fixadoras de azoto importantes para a simbiose com plantas. Mais tarde, atraído pelo estudo das interações patogénicas, integrou o laboratório da Pascale Cossart, no Instituto Pasteur de Paris, a mais reconhecida investigadora focada na bactéria Listeria. Foi neste laboratório que Didier realizou a primeira análise comparativa das proteínas de superfície da Listeria e se especializou em fatores de virulência de superfície. Foi também ali que conheceu a investigadora que viria a ser a sua esposa e o motivou a aceitar o desafio de rumar a Portugal para formar o seu próprio grupo de investigação em Microbiologia Molecular no Instituto de Biologia Molecula e Celular (IBMC), hoje integrado no i3S.
Instalado no Porto desde 2005, começou por investigar novas facetas moleculares das interações patogénio-hospedeiro usando Listeria monocytogenes como organismo modelo de parasitismo intracelular. O seu laboratório identificou um grande número de novos fatores de virulência de Listeria e contribuiu significativamente para a caracterização dos mecanismos de subversão das vias de sinalização do hospedeiro durante a invasão celular. Estes novos mecanismos são agora explorados como alvos potenciais de novas estratégias terapêuticas contra agentes patogénios Gram-positivos.
Didier Cabanes integra redes de investigação internacionais, tem colaborações com os melhores grupos de investigação da área, e tem publicações nas revistas mais conceituadas. É também editor de várias revistas científicas, revisor em revistas internacionais de renome e júri em vários painéis de avaliação de agências de financiamento nacionais e internacionais.
Após a formação do seu grupo, tornou-se Coordenador da Unidade de Infeção e Imunidade do IBMC em 2009 e, posteriormente, participou ativamente na formação e implementação do que hoje é o i3S. Desde janeiro de 2020, é vice-diretor do i3S e coordenador do Programa de investigação do i3S «Interação e Resposta do Hospedeiro».
Em resposta à pandemia por SARS-CoV-2, Didier Cabanes coordenou a criação do Centro de Diagnóstico i3S COVID-19, do qual é diretor. Desde 9 de abril de 2020, o i3S COVID-19 Task Force tem vindo a colaborar com as autoridades sanitárias do Norte de Portugal na realização do diagnóstico molecular do SARS-CoV-2.
Trabalhando com parceiros locais, foram inicialmente reaproveitados equipamentos e recursos humanos voluntários internos para apoiar o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Numa segunda fase, o laboratório i3S COVID-19 adquiriu autonomia total em recursos humanos e equipamentos. O i3S foi aprovado como laboratório de diagnóstico COVID-19 pelo Instituto Nacional de Saúde (INSA) e está atualmente em processo de acreditação pela Entidade Reguladora de Saúde (ERS).
O i3S assinou contratos para realização de testes com a ARS-Norte e o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSS). O “i3S Diagnóstico” já realizou cerca de 33 mil testes de deteção do SARS-CoV-2.
Naturalidade? França
Idade? 50 anos
– Do que mais gosta na Universidade do Porto?
Aprecio particularmente a diversidade e a qualidade do ensino oferecido pela UP.
– Do que menos gosta na Universidade do Porto?
Por comparação com outros sistemas pelos quais já passei, surpreende-me o desequilíbrio existente nas relações entre a U.Porto e os institutos de investigação na sua periferia, como por exemplo o i3S. No meu ponto de vista, a Universidade tem uma postura demasiado conservadora e age, por vezes, unilateralmente em detrimento das suas instituições periféricas. Haveria, no meu entender, vantagens em traçar interesses comuns e cooperar de forma mais sólida. Não gosto da burocracia na U.Porto.
– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?
Um grande passo para mim seria a integração dos melhores investigadores das faculdades e dos institutos de investigação nos quadros da U.Porto, o que não acontece atualmente. Isso seria benéfico não só para a Universidade e seus alunos, em termos de excelência e visibilidade internacional, mas também conferiria estabilidade e atratividade aos melhores investigadores.
– Como prefere passar os tempos livres?
Eu passo a maior parte do meu tempo livre com as minhas duas filhas e com a minha esposa. O meu hobby favorito é a “bricolage”. Às vezes penso se não deveria ter escolhido uma profissão manual.
– Um livro preferido?
Um dos meus livros favoritos é “Les Fourmis”, de Bernard Werber, provavelmente porque combina uma intriga com fatos científicos sobre o mundo e a sociedade bem organizada estabelecida pelas formigas. Também gosto muito do “Le Petit Prince”, de Antoine de Saint-Exupéry. Fascina-me o facto de como uma obra tão simples, escrita para ser lida por crianças, pode esconder um conteúdo tão forte para ser lido e relido por adultos.
– Um disco/músico preferido?
«Brothers in arms», de Dire Straits; a música da minha adolescência.
– Um prato preferido?
Não sou grande apreciador de gastronomia, gosto de marisco. O que eu prefiro mesmo é petiscar, gosto de queijos e charcutaria franceses, italianos ou espanhóis acompanhados de vinho tinto.
– Um filme preferido?
Marcou-me especialmente “The Name of the Rose”, de Jean Jacques Annaud com Sean Connery, possivelmente porque a história é também uma mistura entre intriga e ciência.
– Uma viagem de sonho?
Eu gosto de alta montanha e de neve. Subi ao Mont Blanc enquanto militar nas tropas de elite da infantaria de montanha do exército Francês (Caçadores Alpinos). A minha viagem de sonho, não realizada, seria um trek nos Himalaias, seguido de um mês numa ilha tropical para repor energias.
– Um objetivo de vida?
Chegar ao fim com o sentimento de missão cumprida e com a impressão de ter contribuído para um bem comum.
– Uma inspiração? (pessoa, livro, situação…)
Eu nunca tive um modelo que quis seguir. No entanto há uma pessoa que impactou profundamente a minha vida profissional e pessoal: a Pascale Cossart, do Institut Pasteur de Paris. Foi com ela que aprendi a maior parte das coisas que aplico na minha vida profissional e foi no laboratório dela que conheci aquela que viria a ser a minha esposa.
– O projeto da sua vida…
Conseguir dar um futuro às minhas filhas.
– Uma ideia para promover a investigação da U.Porto a nível internacional?
Renovo aqui o meu apelo à integração dos melhores investigadores das faculdades e dos institutos de investigação nos quadros da U.Porto.