Que aspeto tinha o galo de Barcelos original? Como era, realmente, a arte popular durante o Estado Novo? Qual o papel dos estudantes da Escola Superior de Belas Artes do Porto nesta descoberta? Com cerca de 200 peças, a exposição Bonecos de Barcelos – Identidade, Tradição e Criação Artística inaugura no próximo dia 13 de novembro, às 18h00, nas Galerias da Casa Comum (à Reitoria) da Universidade do Porto.

Esta é a primeira grande exposição após a doação, de mais de 600 peças de figurado de Barcelos, pelos arquitetos Alexandre Alves Costa e Sergio Fernandez – ambos antigos estudantes e docentes da Faculdade de Arquitetura da U.Porto (FAUP) – ao Museu de História Natural e da Ciência da U.Porto (MHNC-UP).

As peças das décadas de 1930 e 1940 já pertenciam ao acervo do MHNC-UP, sendo as restantes, das décadas de 1950 a 1970, das coleções e doações dos arquitetos Alves Costa e Sergio Fernandez.

A exposição integra peças doadas pelos arquitetos Alexandre Alves Costa (na foto) e Sergio Fernandez ao MHNC-UP. (Foto: DR)

A valorização da arte popular

A paixão por estas peças começou quando ambos eram ainda estudantes da Escola Superior de Belas Artes do Porto, precursora da Faculdade de Belas Artes da U.Porto. Aí conheceram o professor, poeta e pintor António Quadros (1933-1994), cuja obra denunciava uma influência de artistas europeus, como Marc Chagall e Pablo Picasso, e de surrealistas latino-americanos, integrado também algumas referências ao imaginário rural e à olaria de Barcelos. De resto, foi António Quadros quem descobriu a barrista minhota, Rosa Ramalho (1888-1977), de quem foi colecionador e com quem desenvolveu uma forte amizade.

Este encontro entre professores, estudantes e barristas barcelenses não só chamou a atenção para uma expressão da arte popular, que era, na altura, pouco valorizada, como impactou a produção artística de figurado local. A obra de Rosa Ramalho assumiu projeção nacional e, em 1964, a artista recebeu a medalha Artes ao serviço da Nação na Feira de Artesanato de Cascais.

A paixão de Alexandre Alves Costa e de Sergio Fernandez (na foto) pelo figurado de Barcelos começou quando ambos eram ainda estudantes de arquitetura. (Foto: DR)

A descoberta do país real

Do Alto Minho a Trás-os-Montes e ao Alentejo, os então estudantes encontraram uma beleza devedora de uma autenticidade sem retoques. Nesta incursão pelo país real encontraram também pobreza, falta de instrução e de cuidados de saúde, um cenário em contraste absoluto com a realidade inventada a partir do programa do diretor do Secretariado da Propaganda Nacional do Estado Novo, António Ferro: O país metropolitano não é grande e não será difícil, com método e paciência, ir retocando, pouco a pouco, a sua fachada, dando-lhe a tonalidade, a graça e a frescura duma aguarela viva.

Para além da produção em série, ao percorrerem as barracas de feiras, Alexandre Alves Costa e Sergio Fernandez foram percebendo que alguns artistas produziam bonecos manualmente, reconhecendo aqui a existência de objetos de arte que convidam à contemplação. Era uma atividade feita “fora de horas”, para equilibrar o orçamento familiar.

Rosa Ramalho, Rosa Côta e Teresa Mouca são alguns exemplos de artistas que nunca deixaram de produzir obra própria. Nas feiras, estes bonecos apresentavam uma delicadeza de elaboração que vai diminuindo ao entrarem no mercado concorrencial. Os dois tipos de produção vão estar presentes na exposição.

Alexandre Alves Costa e Sergio Fernandez frequentaram assiduamente a oficina da “Senhora Rosa” até à data da sua morte. O peso que esta artista tem nas suas coleções atesta a qualidade que lhe reconhecem.

Amar primeiro

Bonecos de Barcelos – Identidade, Tradição e Criação Artística irá apresentar o trabalho de seis barristas representativos de diferentes estilos: Rosa Ramalho; Júlia Ramalho; Teresa Mouca; Rosa Côta; Júlia Côta e João Côto.

Do acervo fazem parte peças alusivas ao universo da vida rural quotidiana, mas não só. Para além do carro de bois, da matança do porco, dos animais de lavoura e capoeira, há também uma espécie de imaginário macabro que percorre outras figuras cuja existência nunca se comprovou. Todas foram objeto de fruição estética, qual extensão da voz de André Breton: Amar, primeiro. Haverá sempre tempo, depois, para nos interrogarmos sobre o que se ama, até não querer nada ignorar.

Na primeira parte da exposição serão também apresentados documentos que representam, simbolicamente, os caminhos que Alexandre Alves Costa e Sergio Fernandez percorreram na busca do que seria “a verdade”.

Bonecos de Barcelos – Identidade, Tradição e Criação Artística vai ficar até 2 de março de 2024. A exposição pode ser visitada durante a semana das 10h00 às 13h00 e das 14h30 às 17h30. Aos sábados das 15h00 às 18h00.

A entrada é livre.