Há um telhado a arder. Qual a origem do incêndio? Que consistência tem o telhado de cada um e o que levará alguém a incendiar o próprio? No próximo dia 3 de novembro, a partir das 18h30, João Habitualmente vai estar na Casa Comum (à Reitoria) da Universidade do Porto à conversa com outro escritor, Nuno Camarneiro. Em cima da mesa estará Telhados de lume, o seu novo livro de contos.

Começando pelo telhado, ficamos a saber que está em lume “para derreter o vidro”, avisa, desde logo, João Habitualmente. “Há hoje muitos telhados de vidro, muita militância de causas a querer-nos dizer como devemos falar e a ralhar-nos quando não usamos a linguagem que nos querem “endoutrinar”. É gente com telhados de vidro – os meus são de lume”, afirma o autor. De resto, confessa que poderia até dedicar o livro “aos vidreiros da Marinha Grande e aos operários dos telheiros”. Considera-se “um intelectual sempre ao lado do proletariado, apesar de nunca ter entrado numa fábrica”.

Não há gatos, a atravessar estes Telhados de lume, mas “com um animal como o humano não preciso de outros para me inspirar”, contrapõe o escritor. “O animal humano é alfa e ómega, bestial e besta, é tão tremendo que não precisamos de sair dele para ir incomodar os outros animais”.

Arrumar o desalinho da vida

São várias as personagens que se abrigam nestes Telhados de lume. Desde o “labrego com avaria psicopática” até o “anjo celeste”, incluindo “mulheres capazes de fazer lume em telhados e aparecer nuas nas claraboias. Histórias machistas, dirão apressadamente os dos telhados de vidro, que, mesmo sem ler, estarão prontos a condenar em nome do politicamente correto”, desvenda João Habitualmente.

Mas não é só. Há ainda “conversas às portas da morte e reminiscências de infâncias longínquas. Há de tudo, como fora dos livros” acrescenta. O proveito de escrever um livro é, afirma o autor, “arrumar o desalinho da vida – é isso que sinto quando delineio um personagem”.

Embora cada um tenha uma temática própria, os contos apresentam elementos comuns: as transições entre a vigília e o sono, região onde vive o onírico; as passagens entre a vida e a morte, espaço quase virgem ao nosso conhecimento onde vivem medos e maravilhas; o deja vu, interstício de tempo em que o antes e o agora se confundem, e os estados modificados de consciência, onde a libertação das defesas racionais deixa irromper não só o esplendor, mas também os sofrimentos e desequilíbrios da mente.

É neste universo de abstrações existenciais que mergulham as peripécias de Moribundo e Borimundo, ansílio Portocarrero, Donzília, Fausto Araújo e outros personagens que vão desfilando por estas histórias celestes.

Sobre João Habitualmente

João Habitualmente é o alter ego literário de Luís Fernandes, psicólogo e docente da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da U.Porto (FPCEUP).

Nasceu no Porto em 1961 e vive em Gaia. Publicou os primeiros textos na revista Pé-de-Cabra em 1984, onde era Célio Lopes na prosa e João Habitualmente na poesia. Em 1994, surgem os dois primeiros livros de poesia, Os sons parados e Agradecemos (reunidos no mesmo volume). Estátuas na praça foi o livro de poesia que publicou em 2022.

Navegando entre géneros literários, já publicou um livro de contos (Os pulsos fistréticos – contos maléficos, 2016), microficção (Notícias do pensamento desconexo, 2003 e Mais notícias do pensamento desconexo, 2014), diário (Coisas do arco da ovelha – pequeno tratado do banal familiar, 2014), cadernos de viagem (Pelo Rio abaixo – crónica duma cidade insegura, 2001) e crónica jornalística (Escrita perecível, 2007). Estes dois últimos têm a assinatura de Luís Fernandes por estarem mais próximos da atividade profissional enquanto psicólogo e especialista do comportamento desviante.