Assunção Melo traz-nos a impressão digital das plantas. Podemos vê-la, nitidamente, ainda que a artista recorra a um diversas camadas de tinta plástica e a um processo criativo que mais não é do que o avesso do que estamos habituados a ver. Já vamos explicar. Num processo de expansão plástica da flora que lhe serve de origem, Sobre as ervas, entre as folhagens traz o Jardim Botânico da Universidade do Porto para dentro da casa que é a Galeria da Biodiversidade – Centro de Ciência Viva do Museu de História Natural e da Ciência da U.Porto (MHNC-UP). São formas vegetais e com cores que se sobrepõem para fruir de 18 de julho até 30 de setembro, com entrada livre.
O título é retirado do poema o Jardim de Sophia de Mello Breyner Andresen (Dia do Mar, 1947). Predominam “as plantas, as folhas e ramos, as flores, as ervas”, ou seja, as formas vegetais. Daí que a artista diga que o que vamos ver seja “uma espécie de herbário pictórico”.
A sobreposição das cores e das formas constitui um segundo passo. De uma forma quase aleatória estas formas “tentam apropriar-se da vida do jardim, em que as plantas crescem livremente e os dias de sol desenham sombras onde querem”.
A magnífica insignificância das plantas
Assunção Melo partiu de processo distintos: a impressão direta das folhas ou plantas no papel; o contorno delineado das mesmas, ou do registo pós observação. Assim conseguiu fazer com as formas vegetais, efémeras por natureza, se tornassem “permanentes”.
A este primeiro passo seguiu-se o recurso a outros elementos pictóricos. De onde surge este trabalho? De um local de fascínio: “A surpresa e diversidade, a riqueza formal e cromática, a individualidade de uma simples erva ou folha, são neste momento, um motivo de fascinação para mim”.
Para a artista, a natureza é magnífica, “mesmo a que pode parecer insignificante e pisamos aos pés”. De resto, é sobre “essa insignificância magnífica, esse brilho involuntário, essa surpresa e diversidade que quero debruçar-me.
O poder de contrariar o caracter efémero da vida de uma planta é outra fonte de encantamento. Materializar a perenidade. Assunção Melo estabelece este “olhar perante a fragilidade da beleza e da vida” para o fixar. Para nos lembrar o quão facilmente o consideramos tão “banal” que o damos por “adquirido. Ou “imutável”.
Uma superfície visível que é também uma barreira
De acordo com a técnica utilizada por Assunção Melo, a pintura a óleo “é realizada sobre o vidro acrílico”. O que significa que a primeira camada ou a primeira intervenção é, efetivamente, o que fica visível, contrariamente a “um processo normal”, em tela, sobre a qual se vão sobrepondo camadas até se tornar visível o resultado pretendido. É uma técnica que avança “totalmente pelo inverso do suporte”. É observável “através da superfície, cuja transparência, enquanto permite a visibilidade, cria igualmente uma barreira”.
Este método permite perceber todo o processo da pintura, tornando visíveis as sucessivas camadas, inclusivamente aquela de que a artista se apercebeu, ao afixar os trabalhos. “O ambiente envolvente e o jardim que entra nas salas pelas janelas, é refletido pelo próprio suporte, sendo assim adicionado à pintura e tornando-se nela participante”.
Assunção Melo reconhece que edifício, o Jardim Botânico, assim como a poesia de Sophia, “estão estreitamente relacionados com a prática que tenho vindo a desenvolver e é por isso uma grande alegria para mim poder mostrar o meu trabalho neste local que certamente o ilumina”.
A exposição Sobre as ervas, entre as folhagens, pode ser visitada de terça a domingo, das 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00 (última entrada: 17h30).
Sobre Assunção Melo
Vive e trabalha no Porto. Concluiu em 1992 o Curso Superior de Artes Plásticas-Pintura na ESBAP (FBAUP). Iniciou em 1990 uma prática no campo da ilustração infantil e editorial. A partir de 2009, dedicou-se exclusivamente a um trabalho autoral em Pintura.
Participou em várias exposições coletivas e individuais, entre as quais: Casa-Museu Abel Salazar, Prémio Amadeo Souza-Cardoso, Bienal de Cerveira, Bienal de Espinho, Art Map- Ponte de Lima, Bienal Festa do Avante, ContextileModtíssimo, Alfandega do Porto, Arte Hoje, Sociedade Nacional de Belas Arte.