Uma equipa de investigadores da Unidade Multidisciplinar Biomédica de Investigação (UMIB) do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto e do departamento de Neurociências do Centro Hospitalar Universitário de Santo António (CHUdSA) estudou o envolvimento do Sistema Nervoso Central (SNC) no desenvolvimento da doença da amiloidose ATTR, responsável por grande parte dos episódios neurológicos focais transitórios e de AVCs em pacientes com esta patologia.

A equipa de investigação, liderada por Ricardo Taipa, professor auxiliar convidado do ICBAS, neuropatologista na Unidade de Neuropatologia do CHUdSA e consultor dedicado à Clínica de Demências do Departamento de Neurologia do mesmo hospital, já tinha conhecimento de que algumas mutações no gene TTR tinham uma predileção para a patologia se concentrar no SNC.

Nas mutações mais comuns no gene da TTR, como a que existe em Portugal, os sintomas estão predominantemente relacionados com o nervo periférico (polineuropatia) ou com o coração (cardiomiopatia). A sobrevida após o início de sintomas, antes do desenvolvimento de tratamentos, era relativamente curta (8 a 10 anos), mas com o transplante hepático e, mais recentemente, com o desenvolvimento de medicamentos inovadores para o tratamento da doença, os investigadores verificaram um considerável aumento na duração da sobrevida, apesar do surgimento de sintomas que, até esse momento não existiam, ou eram considerados muito raros.

Entre os principais sintomas destacam-se hemorragias cerebrais, ou episódios neurológicos focais transitórios, episódios semelhantes aos que se verificam em alguns acidentes isquémicos transitórios ou crises epiléticas.

Para o investigador Ricardo Taipa, “a investigação surge para compreender o envolvimento do SNC nesta entidade. Isto torna-se particularmente importante pois a proteína TTR é produzida numa região do cérebro, o plexo coroide, e as terapêuticas atuais não atuam no SNC.”

A investigação multidisciplinar, centrada principalmente na Unidade “Corino de Andrade” do CHUdSA, teve a colaboração de múltiplos serviços do hospital e do ICBAS, nomeadamente de Pedro Oliveira, docente do Departamento de Estudos de Populações. O estudo contou igualmente com a colaboração do Banco Português de Cérebros da Unidade de Neuropatologia do CHUdSA.

“Foram analisados cérebros de doentes que generosamente doaram este órgão para investigação por forma a perceber em que locais, com que severidade e como progride a deposição da amiloide no cérebro. Foi possível ainda estudar que tipo de lesões podem estar associadas a esta patologia, permitindo definir com que precocidade é vista acumulação anormal de TTR no cérebro, onde este processo começa e de que forma progride ao longo do tempo”, explica Ricardo Taipa.

Os dados recolhidos revelaram-se de extrema importância para interpretar os resultados de biomarcadores de imagem de deposição de amiloide, informação essencial para avaliar, por exemplo, a resposta a tratamentos que venham a ser desenvolvidos.  Para tal, a equipa de investigação considera que será fulcral realizar estudos com mais doentes de diferentes populações e mutações TTR, de forma a corroborar esta descoberta, analisando ao pormenor a evolução neuropatológica da amiloidose ATTR no SNC.

O docente do ICBAS salienta que “muitas questões estão ainda por resolver, nomeadamente, como relacionar os sintomas neurológicos transitórios e a patologia que observamos no cérebro; porque é que alguns doentes são mais suscetíveis a este envolvimento do que outros e, como vão evitar que este processo progrida por forma a parar a evolução da doença.”

O que é a Amiloidose hereditária?

A amiloidose hereditária por transtirretina (TTR) é uma doença multissistémica caracterizada por deposição anormal da proteína TTR nos tecidos, em particular no nervo periférico e coração. A TTR é produzida maioritariamente no fígado.

A doença foi inicialmente descrita por Corino de Andrade, na década de 50, pela observação de doentes da região da Póvoa de Varzim e Vila do Conde como uma polineuropatia sensitivo-motora e autonómica familiar que, atualmente, afeta pessoas em todo o mundo.