É o único festival de cinema nacional com o propósito específico de exibir filmes de temática gay, lésbica, bissexual, transgénero, transsexual, intersexo e de outras sexualidades e identidades não-normativas. De regresso à Universidade do Porto, o Festival Queer Porto pretende apresentar o que de mais relevante, em termos estéticos e narrativos se faz no panorama mundial. Embora o “rótulo” seja recente, travessa toda a história do cinema e dos seus géneros. Nesta edição de 2022, para além das sessões de 29 de novembro a 2 de dezembro, a Casa Comum atribui ainda um Prémio.

Começamos já na noite de 29 de novembro. Às 21h30 arrancamos com Uýra – A Retomada da Floresta, de Juliana Curi. Integrado na secção Secção Queer Focus, o filme gira em torno de Uýra, uma artista trans indígena que viaja pela floresta amazónica numa jornada de autodescoberta usando arte performativa e mensagens ancestrais para ensinar jovens indígenas e enfrentar o racismo estrutural e a transfobia no Brasil.

Formada em Jornalismo, Juliana Curi é realizadora e artista visual. Iniciou a carreira na MTV, desenvolvendo campanhas de impacto sociocultural. Desde então já foi premiada pela ONU Mulheres, e os seus projetos incluem a cinebiografia da artista Uýra, Pink Intervention em Nova Iorque e a fundação do projeto de inclusão audiovisual EUETU Lab.

No dia seguinte, quarta-feira, dia 30 de novembro, a programação começa bem mais cedo, logo às 16h00. A preto e branco, em Blastogenesis X, Conrad Veit e Charlotte Maria Kätzl apresentam um documentário animal sobre superfícies rochosas, onde criaturas híbridas desconstroem fronteiras entre o humano e o animal, entre masculinidade e feminilidade. O filme transporta-nos à era do cinema mudo, revelando-nos uma visão utópica na qual todas as formas de vida são iguais.

Conrad Veit é um artista visual alemão, que é também realizador e publicitário, licenciado pela University of Fine Arts de Braunschweig. Faz cinema, fotografia e instalação. Através do seu trabalho entramos num jogo entre diversidade e desordem, que questiona as fronteiras do heteronormativo e da construção social.

Charlotte Maria Kätzl é uma artista visual alemã, realizadora e estudante de Belas Artes na área de Escultura na University of Fine Arts de Braunschweig. O seu trabalho artístico move-se em diversas formas de encenação, baseadas no seu trabalho de figurinos, no qual desenvolve uma variedade de personagens e figuras.

Blastogenesis X. (Foto: DR)

No mesmo dia ficamos logo a seguir com Haldernablou Quadriflore, do realizador francês Tom de Pékin. Preso num estranho parque, o pajem Ablou tenta escapar, mas multiplas personagens fazem de tudo para o manter cativo neste lugar fantasmagórico. Entre a dança e a poesia, Tom de Pékin propõe um filme adaptado da peça que Alfred Jarry escreveu quando tinha apenas 19 anos, e é uma das primeiras peças da dramaturgia francesa abertamente homossexual.

“O que me aproximou da estrutura deste magnífico e obscuro texto foi a opção de Alfred Jarry pelo uso da colagem, que amplia o seu significado”, diz o realizador. “São diversas as referências, e as emoções e sentimentos reprimidos têm um espaço de expressão livre. Para mim, é um texto militante”, acrescenta.

Tom de Pékin vive e trabalha em Paris. Fundou e dirigiu, com o artista Guillaume Dégé, as Éditions des 4 Mers, de 1994 a 2002. Desde 2000 que trabalha em desenho, vídeo, performance e gravura com o nome de Tom de Pékin. Enquanto militante, artista, ilustrador e realizador, interessam-lhe a relação entre texto e imagem e as subversões gráficas. Em março de 2009 é lançada pela Septembre Éditions uma monografia da sua obra de 2000 a 2008, junto com uma apresentação dos seus diferentes procedimentos em direção a uma contrapropaganda queer. É o responsável pelo cartaz do filme L’inconnu du Lac, de Alain Guiraudie.

Haldernablou Quadriflore. (Foto: DR)

Ao final da tarde de 30 de novembro, pelas 18h00, apresentamos Metamorphosis, proposta do Institute of Queer Ecology (IQECO). É uma proposta em três partes que nos desafia a reestruturar a forma como percecionamos o mundo. Estas três partes são moldadas segundo os ciclos de vida dos insetos holometabólicos: insetos que sofrem uma “metamorfose completa” na qual o organismo se reestrutura por inteiro para ir ao encontro das suas novas necessidades e para assegurar a sua sobrevivência.

Com base nesta transformação metafórica, o IQECO procura mudar a relação de extração que estabelecemos com o planeta terra, substituindo-a por uma outra relação baseada na regeneração e no cuidado: uma mudança da natureza como subserviente, para passarmos a trabalhar com o mundo natural, transformando as relações entre nós e o mundo.

O IQECO é um organismo colaborativo e descentralizado que trabalha para imaginar e criar um futuro equitativo multiespécies. Com um programa interdisciplinar que abarca a curadoria de exposições e a produção própria de objetos artísticos / projetos, o instituto lança as fundações para uma utopia (bio)diversa.

Já na quinta-feira, 1 de dezembro, pelas 18h00 horas, será exibido  Three (or More) Ecologies: A Feminist Articulation of Eco-Intersectionality. Pt1, da realizadora americana Angela Anderson.

O modo como nos relacionamos com a terra, a água e os “recursos” reflete-se na forma como produzimos bens, relações e afinidades. Three (or More) Ecologies justapõe a indústria de fraturamento hidráulico dominante no Dakota do Norte na Reserva Indígena de Fort Berthold (onde habitam três tribos indígenas) às vozes vindas do Jinwar, a Aldeia das Mulheres Livres, um projeto coletivo de mulheres com base na agricultura, na região autónoma de Rojava (Norte da Síria). O foco recai na necessidade urgente de redefinirmos valores face aos modelos económicos que provocam a atual crise climática e a continuada disrupção/destruição de ecossistemas, ignorando por completo a sabedoria inata que estes mesmos ecossistemas cultivam e sustentam. O filme denuncia ainda a exacerbada acumulação capitalista, motivada pela competição, face às desigualdades e exploração defendidas e implementadas pelo patriarcado.

Licenciada em Economia e Recursos Naturais pela Universidade do Minnesota e mestre em Estudos de Cinema e Media pela New School de Nova Iorque. Angela Anderson vive e trabalha em Berlim. É artista e investigadora, e trabalha com vídeo multicanal e instalação sonora, escultura e fotografia. Através do audiovisual, procura desafiar noções de patriarcado, narrativas coloniais, e promover a solidariedade interespécies e intermaterial, de uma perspetiva queer feminista. 

E chegamos à proposta de 2 de dezembro, sexta-feira, diz em que será exibido, a partir das 18h00, Water Makes Us Wet: an Ecosexual Adventure, das realizadoras americanas Annie Sprinkle, Beth Stephens.

Com uma mistura poética de curiosidade, humor, sensualidade e preocupação, este filme narra os prazeres e a política do H2O a partir de uma perspetiva ecosexual. A ecosexualidade transfere a metáfora da “Terra como Mãe” para “Terra como Amante”, de forma a criar uma relação mais recíproca e empática com o mundo natural. Ao longo de uma viagem, Annie e Beth interagem com um diverso grupo de pessoas, incluindo performers, biólogos, trabalhadores de estações de tratamento de água, professores e outros, culminando num evento chocante que reafirma o poder da água, da vida e do amor.

Beth Stephens e Annie Sprinkle são parceiras há 16 anos e têm trabalhado juntas no âmbito da arte feminista mais radical. Annie, ex-trabalhadora do sexo, é performer e pioneira do pós-porno. Beth é uma artista interdisciplinar e professora da University of California que explora temas de género e queerness.

Water Makes Us Wet. (Foto: DR)

Uma experiência comunitária para o encontro de ideias

Três semanas depois do encerramento do Queer Lisboa, o Queer Porto deste ano apresenta títulos inéditos em Portugal e quer chegar a vários públicos e a diferentes expressões do tecido cultural do Porto, pondo em diálogo o cinema com outras artes. Os filmes são organizados nas Competições de Melhor Longa-Metragem de Ficção ou Documental, Curta-Metragem de Escola Portuguesa.

À semelhança da edição anterior, está prevista a entrega de um Prémio Casa Comum. Abrange uma seleção de um mínimo de seis curtas-metragens portuguesas, produzidas no ano anterior e ano de realização do Festival.

A competição é avaliada por um júri formado por três elementos e designado pela Reitoria da Universidade do Porto. O melhor filme vai receber um prémio de 500 euros, patrocinado pela Reitoria da U.Porto.

O programa completo pode ser consultado aqui.