O Digital and Intelligent Industry Lab (DIGI2Lab) é um dos mais recentes laboratórios de investigação da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP). Agregado ao Centro de Investigação em Sistemas e Tecnologias (SYSTEC) e ao Departamento de Engenharia Informática (DEI) da FEUP, o laboratório faz o cruzamento das áreas da robótica, automação e sistemas inteligentes com a indústria, focando-se na aplicação de conhecimento em problemas industriais identificados pelos parceiros.
A forma como a indústria pode endogenizar novas tecnologias tornou-se o grande objetivo do DIGI2Lab, a par da capacitação de profissionais neste setor. Uma das áreas de atuação da equipa, que é liderada pelo docente e investigador Gil Gonçalves, e é constituída por doze investigadores de engenharia informática e eletrotécnica, passa por soluções de automação e robótica integradas no chão de fábrica que envolvem e potenciam as competências do operador.
Outros campos de atividade passam pela aplicação de soluções tecnológicas para recolha e processamento de dados relacionadas com a Internet das Coisas, assim como a análise, aprendizagem e utilização correta de dados para criação de modelos que permitam interpretar melhor os resultados finais e apoiar no processo de tomada de decisão das empresas.
“Estas três áreas de atuação funcionam quase como uma espécie de ‘pilha’ com várias camadas: primeiro, junto das atividades que estão a decorrer no chão de fábrica, depois, na digitalização da informação e, só no final, no processamento da mesma. Ajudamos as empresas a tomarem decisões informadas em diferentes níveis”, enquadra Gil Gonçalves.
Concretamente, o DIGI2Lab tem desenvolvido projetos a nível europeu com parceiros internacionais envolvendo a Ford, Electrolux e Fluchos, mas também a nível nacional para a Stellantis Mangualde (antiga PSA Mangualde), a Sonae e a Siemens, trabalhando igualmente com diversas empresas portuguesas que produzem e fornecem equipamentos.
Um dos exemplos é a Zeugma. “Nós ajudamos a tornar os equipamentos deles mais eficientes, capazes de usarem melhor os dados que recolhem para garantir a eficiência da operação e qualidade do produto final”, explica o coordenador do laboratório.
Atualmente, os esforços da equipa estão centrados no RECLAIM Manufacturing, um projeto europeu focado em técnicas de recuperação, remodelação e reutilização (“refurbishment and remanufacturing”) de equipamentos industriais, reduzindo a sua obsolescência e provando as vantagens da renovação de alta tecnologia.
Afinal, como podemos aumentar o tempo de vida útil de um equipamento industrial de grandes dimensões? Gil Gonçalves responde: “Por um lado, garantindo que é servido e utilizado de forma adequada – ao interpretar sinais que recolhemos do equipamento para otimizar a sua manutenção ao longo do tempo -, por outro, garantindo melhorias e atualizações à medida que as necessidades se vão alterando, uma vez que a maior parte dos equipamentos já foram construídos há algum tempo.”
A integração de tecnologias em equipamentos já existentes passa essencialmente por uma primeira recolha de informação, um fornecimento posterior de informação mais estruturada que permita o apoio à decisão e, finalmente, uma implementação da decisão no equipamento.
“O RECLAIM é mais uma prova de que a componente da transformação digital dos processos se torna transversal a tudo o que é indústria”, remata o investigador da FEUP
O crescimento da Indústria 4.0 que levou ao arranque da 5.0
A conetividade de todos os equipamentos no seio da indústria é a grande alavanca da Indústria 4.0, criada na Alemanha e que engloba a aplicação de tecnologias de automação e de troca de dados entre sistemas com o objetivo final de melhorar a eficiência e produtividade dos processos. Mas, para Gil Gonçalves, isso não é suficiente. “Na indústria, alguns destes processos ainda estão isolados e não são pensados tendo em conta o elemento humano. A oportunidade do avanço para a Indústria 5.0 passa por levar a inteligência para o chão de fábrica, acrescentando novos equipamentos, considerando os colaboradores humanos no centro de todos os processos e aplicando a Internet das Coisas, o que permite retirar mais informação sobre o que está a acontecer no momento.”
O potencial da utilidade destas práticas dá lugar a uma visão holística, que envolve ainda mais o elemento humano nas operações industriais, ao mesmo tempo que tenta dar resposta a desafios em prol da sustentabilidade. “A pandemia veio mostrar-nos que, de um momento para o outro, as cadeias de fornecimento globais podem deixar de funcionar. Localmente, à falta de determinados componentes e produtos, é necessário que a indústria consiga ser resiliente o suficiente ao ponto de se reestruturar para corresponder a estas necessidades.”, avança o investigador.
É ao caminhar nesta direção de atuação local, que garante a produção dos produtos industriais independentemente do contexto, que é dado um contributo eficaz na redução da pegada ecológica, permitindo atingir a sustentabilidade na indústria.
Esta mudança de pensamento acarreta desafios que passam pela necessidade de requalificar a mão-de-obra para que se possa desempenhar outras atividades de maior valor acrescentado, algo que o DIGI2Lab tem vindo a trabalhar no âmbito do EIT Manufacturing, uma comunidade de inovação a nível europeu.
“Há um conjunto de tarefas que fazemos em que a tecnologia vai de facto substituir-nos, mas vai-nos colocar a fazer outras coisas. Os operários vão deixar de apertar os parafusos, mas vão ter que controlar o equipamento que aperta os parafusos e perceber se este realiza a operação da forma correta. Isto obriga a dar competências às pessoas que elas hoje não tê.”, esclarece o professor da FEUP.
O processo de requalificação também inclui formação para os técnicos responsáveis pela manutenção e gestão da produção, uma vez que “são eles quem tomam decisões sobre a estratégia e, por isso, têm que perceber as tecnologias e estas novas tendências.”
Mas o objetivo final, note-se, não é a tecnologia substituir-nos em tudo, mas sim potenciar as valências do ser humano, um elemento essencial à produção e que introduz uma das componentes mais valorizadas na indústria: a flexibilidade e a capacidade de adaptação.
“É possível colocarem-se automatismos em praticamente tudo. Mas não há necessidade de apostarmos uma solução muito rígida que, caso seja obrigatório alterar algum processo, é exigida uma reconfiguração de raiz, implicando um investimento ainda maior.”
Para Gil Gonçalves, a resposta está no equilíbrio. “Há tarefas pouco complexas, mas desgastantes, e um sistema de automação, lado a lado com o operador, permite partilhar a tarefa e ajustar-se ao seu cansaço, ritmo e necessidades. E é aí que se faz a diferença.”