Chama-se Sons Pe(R)didos e Achados e o nome não foi escolhido ao acaso. O novo podcast da Casa Comum da Universidade do Porto traz à conversa músicos portugueses sobre o seu percurso até ao frágil equilíbrio no trabalho cultural e criativo destes tempos de incerteza e reinvenção do pop rock português. Na estreia, Paulo Furtado / The Legendary Tigerman desvenda alguns segredos.
Houve muito que se perdeu neste período de pandemia, mas a necessidade de adaptação também fez nascer novos engenhos. É em busca dessas reinvenções que Paula Guerra, professora e investigadora da Faculdade de Letras U.Porto (FLUP), e autora de livros como A Instável Leveza do Rock, As Palavras do Punk, More Than Loud, ou Underground Music Scenes and DIY Cultures, se lança nesta série de conversas situadas no jogo “entre perder e encontrar alguma coisa”.
O ponto de partida foi a “experiência generalizada de alienação, ausência de expectativas, grande incerteza e permeabilidade aos riscos”, nomeadamente para quem faz, ou fazia, “da música uma experiência em carne viva”.
Sons Pe(R)didos e Achados pretende ir mais além do que divulgar o trabalho criativo dos músicos. Vai trazer-nos, na primeira pessoa, histórias de como este contexto pandémico tem vindo a influenciar o pop rock em Portugal.
“Este podcast é, ele próprio, uma estratégia de tornar possível ainda vivermos melhor na e com a música nestes tempos incertos”, acrescenta Paula Guerra, em jeito de cartão de visita destas conversas. É também esse o mote do seu mais recente artigo acabado de publicar na revista YOUNG: ‘It’s Turned Me from a Professional to a “Bedroom DJ” Once Again’: COVID-19 and New Forms of Inequality for Young Music-Makers.
Paulo Furtado: Outras estradas para andar
Adaptou-se ao isolamento e à falta de estímulos sociais e emocionais o artista que, musicalmente, cresceu com a partilha de discos com os amigos e os encontros para a escuta coletiva. Os melómanos conhecem-no maioritariamente como The Legendary Tigerman, ainda que tenha vestido outros personagens.
Paulo Furtado nasceu em Moçambique, criou raízes em Coimbra, mas foi na Praia das Maçãs (Sintra) que o mais novo de uma família de cinco filhos passou longos períodos durante as férias de verão. Talvez venha daí a tendência para voltar o olhar para o imenso território que fica do outro lado do Atlântico. Talvez tenha nascido aí o fascínio pelas intermináveis estradas que, de um só fôlego infinitamente criativo e alucinante, Jack Kerouac percorreu.
O artista amador, como o próprio prefere definir-se, apaixonou-se pelo mito da “Route 66”, fez uma parte desse percurso que atravessa o país de Este a Oeste e, da sua experiência por terras americanas, criou até uma versão da música (Route 66), composta por Bobby Troup. A pandemia obrigou, no entando, Paulo Furtado a sair da estrada. Teve de colocar em standby todas as aventuras internacionais já agendadas, nomeadamente para o Brasil.
Em vez de mudar o estúdio para fora de casa, como inicialmente projetado, devido ao confinamento forçado pela Covid-19 aproveitou para se aperfeiçoar. Renovar horizontes. Dedicou-se ao estudo (de som e de mistura) e preparou um novo álbum.
Integrado na edição deste ano da BoCA – Biennial of Contemporary Arts, o conhecido cineasta norte-americano Gus Van Sant vai encenar e apresentar um espetáculo inspirado na Factory, de Andy Warhol, e caberá a Paulo Furtado a responsabilidade da direção musical do espetáculo.
Embora seja uma faceta menos conhecida, Paulo Furtado é também compositor de bandas sonoras para teatro e cinema, tendo-lhe sido atribuído, por duas vezes, o Prémio Sophia para melhor banda sonora original. Daí que, nestes tempos de pandemia, tenha também composto precisamente… para teatro e cinema.
Incontornável, nesta conversa com Paula Guerra, foi o ano de 2008, que projetou os Wraygunn como cabeças-de-cartaz do Festival Paredes de Coura. A banda liderada por esse “animal de palco”, como lhe chamaram os jornais da altura, conseguiu atrair e manter a atenção do público, quando os ponteiros do relógio iam já para além da 1h30 da manhã.
Projetos como os Tédio Boys, Wraygunn ou The Legendary Tigerman trouxeram visibilidade a um percurso que, na realidade, começou pela fotografia e pela pintura, na ARCA, Escola das Artes de Coimbra. Áreas que cada vez lhe interessam mais. Não será de estranhar que, deste “homem-mundo”, como lhe chama Paula Guerra, venha a sair um livro sobre fotografia, outra das áreas que o apaixona.
Neste olhar para o pop rock produzido até hoje, Paulo Furtado considera que a música produzida em Portugal carece de um trabalho de divulgação internacional, que muito beneficiaria da criação de um Gabinete de Exportação de Música Portuguesa. De resto, das artes plásticas à música, Paulo Furtado aponta uma falta de atenção ao trabalho destes artistas que levam a identidade nacional para lá da fronteira. Gerações de artistas que são reconhecidos internacionalmente, acrescenta Paulo Furtado, “sem que haja qualquer investimento ou reconhecimento” por parte do governo português.
Tó Trips e Vítor Rua entre os próximos convidados
Resultado de uma parceria entre a Casa Comum, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (IS-UP) e o Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» (CITCEM) o Sons Pe(R)didos e Achados terá uma periodicidade mensal. Para os próximos episódios estão já na calha nomes como Victor Torpedo (ex Tédio Boys e atual The Parkinsons), Tó Trips (Dead Combo), Vítor Rua (ex GNR e Telectu) e Fado Bicha.
O podcast conta ainda com a colaboração de Ana Oliveira, António Carvalho e Susana Serro. A sonoplastia é de Paulo Gusmão.
Paula Guerra estudou sociologicamente – e de forma pioneira – o fenómeno do rock alternativo em Portugal no âmbito da sua tese de doutoramento em Sociologia – A instável leveza do rock. Génese, dinâmica e consolidação do rock alternativo em Portugal (1980-2010). Tema que continuou a desenvolver. É investigadora no IS-UP e no Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde também é docente. Investigadora Colaboradora do CITCEM, é ainda professora Adjunta Associada do Griffith Center for Social and Cultural Research, na Austrália.
Paula Guerra publicou mais de 25 livros, 57 capítulos de livros (40 em editoras internacionais – Reino Unido, EUA, Canadá, Alemanha e Brasil) e 89 artigos em revistas especializadas – 55 deles em revistas internacionais, incluindo revistas WOS-Q1.