Os médicos de família de 16 países a nível mundial, incluindo Portugal, reconhecem os efeitos positivos da utilização das tecnologias digitais nos cuidados de saúde primários durante a pandemia de COVID-19, mas chamam a atenção para problemas na acessibilidade por parte de alguns grupos de doentes.

Estes são resultados preliminares do inSIGHT, um estudo internacional realizado em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e coordenado por Ana Luísa Neves, professora da FMUP e investigadora do CINTESIS. Ao todo, foram auscultados cerca de 1500 médicos de família.

O objetivo deste projeto, liderado pelo Institute of Global Health Innovation, era avaliar as perspetivas dos médicos de família dos vários países sobre a transição digital imposta pela pandemia. Portugal foi um dos países incluídos, a par com a Espanha, França, Itália, Alemanha, Reino Unido, Irlanda, Croácia, Eslovénia, Turquia, Chile, Colômbia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália.

De acordo com a coordenadora, “a maioria dos médicos de família reconheceu um efeito positivo na redução global do risco de transmissão de COVID-19 (89.6%), na monitorização de doentes infetados (81,2%), na prestação de cuidados preventivos (81.2%) e no follow-up de doenças crónicas (69.8%)”.

No entanto, “quase metade dos médicos considerou que houve um efeito negativo na agudização de desigualdades de acesso por parte de determinados grupos”.

Ana Luísa Neves acredita que “alguns grupos da população terão sido excluídos, nomeadamente os idosos e os que têm menor literacia digital ou menor tendência para usar estas tecnologias. Mas os determinantes de exclusão poderão ser mais, e mais complexos, do que prevemos”.

Novo projeto avalia perceções dos doentes sobre transição digital

Estes resultados do inSIGHT já motivaram a realização de um novo estudo com o objetivo de avaliar as perceções dos próprios doentes sobre a transição digital durante a pandemia de COVID-19.

O projeto, também sob coordenação de Ana Luísa Neves, foi distinguido pelo Imperial College London com financiamento no valor de 25 mil libras

“A pandemia de COVID-19 representou a primeira experiência de telemedicina para muitos utentes. Embora sejam uma solução de emergência, o uso destes modelos pode ter efeitos a longo prazo na forma como os cuidados de saúde primários são prestados”, afirma.

Para a investigadora da FMUP/CINTESIS, “é fundamental ouvir os utentes, que são os utilizadores finais. É um imperativo ético retirar desta experiência as lições necessárias para perceber como, em que circunstâncias, e com quais grupos de doentes estes modelos poderão continuar a ser usados no futuro”.

Através da identificação de possíveis fatores de exclusão, Ana Luísa Neves entende que é possível “desenhar estratégias para capacitar os doentes que assim o desejem para um uso eficiente destas tecnologias”.

O estudo deverá arrancar em novembro deste ano. Os primeiros resultados deverão ser conhecidos no primeiro trimestre de 2021.