“Comecei a dar aulas com acetatos, com esquemas feitos à mão, e acabei a dar aulas online!” Se fosse necessário escolher uma frase para resumir os 48 anos de carreira docente de Margarida Louro Felgueiras, dificilmente alguma o faria melhor do que esta, dita na primeira pessoa. A outra é que “posso dizer que foi tudo menos monótona!”, sentencia a agora professora aposentada da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.

Falar da carreira de  Margaria Louro Felgueiras implica percorrer quase meio século de “um processo constante de atualização e adaptação”. Mas raramente feito de incertezas. “Ensinar era para mim uma inevitabilidade, não um desejo. O meu gosto era a História, a Arqueologia!”. O mesmo que, em finais dos anos 60, a levou até à Faculdade de Letras da U.Porto, onde concluiu o bacharelato (1972) e a licenciatura  (1979) em História. Pelo caminho, começou a dar aulas do ensino secundário, ao qual esteve ligada mais de uma década. “Foi no Ensino Secundário que me entusiasmei pela docência. Foi também no Ensino Secundário, em 1977, que fiz a minha primeira publicação, um opúsculo, por causa dos meus alunos! E a minha primeira exposição, em 1979″, recorda.

Mas o destino reservava outros desafios para a professora Margarida. E “foi a pensar que poderia contribuir para melhorar o ensino da História ” que se candidatou ao Ensino Superior, “à formação de professores”. Começou pela Universidade do Minho, em 1984. Três anos depois, regressa a “casa” como Assistente Estagiária de Introdução às Ciências da Educação e História da Educação no Ramo Educacional dos cursos de Letras da FLUP. E Já em 1990, concorre à FPCEUP, iniciando uma ligação que permanece até aos dias de hoje.

Da docência na FPCEUP, são muitas as recordações que ficam. A começar pelo dia em que concluiu as Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, em 1993. Ou então “o ter o primeiro projeto financiado ainda como assistente. Foi um estímulo muito grande, que determinou o meu doutoramento”, concluído em 2002. “Esse também foi um momento feliz da minha carreira académica”, reconhece.

A história de Margarida Louro Felgueiras não se conta, porém, “só” das aulas que deu. Ou não tivesse também trilhado um percurso notável no domínio da investigação em Ciências Educação, e, em particular, da História da Educação. Autora de 14 livros e de mais de duas dezenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras, foi a responsável pela constituição do núcleo de investigação em História da Educação, Herança Cultural e Museologia no Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) da FPCEUP. Entre as aulas e a ciência, o coração não se divide. Equilibra-se: “Na espiral da vida uni sempre o gosto pela investigação histórica e pela educação-formação, que para mim é sobretudo cultural, pessoal, social, humana”.

Do percurso de Margarida Louro Felgueiras destacam-se também a forte ligação ao Brasil, país onde lecionou em diversas instituições, com destaque para a Universidade de São Paulo, da qual foi professora visitante. Pelo meio, “estive envolvida desde o início nos congressos luso-brasileiros de História da Educação e, ao ser eleita coordenadora da então Secção de História da Educação, da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (SPCE), assumi o compromisso de me empenhar na consolidação das relações luso-brasileiras e com a América Latina no campo da História da Educação”. Contas feitas, “a minha ligação ao Brasil foi uma opção assumida. Podia-me ter voltado mais para a Europa, que me traria mais relevo académico! Foi uma opção de política académica de que me orgulho”.

Orgulho do que foi. Mas também do que ainda está para vir agora que a janela da docência se fechou. “Projetos de futuro? Neste momento, encaro a reforma mais como uma espécie de ano sabático. Não terei de me preocupar com as rotinas da docência, mas tenho todo o outro trabalho para fazer. Vai ser apenas um pequeno abrandamento”, antecipa Margarida Louro Felgueiras. E projetos não faltam no horizonte. “Tenho orientações de mestrado e doutoramento em curso, compromissos de artigos, congressos, etc. Acima de tudo tenho um projeto FCT em curso, a decorrer com a Câmara Municipal de Murça. E espero continuar a investigar e a colaborar na salvaguarda da nossa herança educativa, nas suas ligações com o império colonial e no que une os países de língua oficial portuguesa”.

Idade? 70 anos

Naturalidade? Vila Nova de Outil, concelho de Cantanhede

– De que mais gosta na Universidade do Porto?

A capacidade de mobilização, a dedicação e o empenho científico e pedagógico, o sentido de coletivo.

– De que menos gosta na Universidade do Porto?

Burocracia e centralismo asfixiante tendo como alibi o sistema informático.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?

Mais incentivos a projetos interdisciplinares entre diversos centros de investigação; modelo de gestão mais democrático

– Como prefere passar os tempos livres?

Já quase me esqueci do que isso é! Gosto de me entreter no jardim, de fazer crochet e ouvir música, passear à beira mar ou pelo campo, visitar museus, lugares, ler, conversar, sonhar acordada…

– Um livro preferido?

Fui uma leitora compulsiva. Agora sou uma espécie de analfabeta profissional – leio o que é suposto na profissão…Livros que me marcaram? É difícil escolher um, mas há alguns que me marcaram a minha formação quando jovem, sem dúvida: O Principezinho, O meu pé de laranja lima, O escândalo dos infra homens, A pedagogia do oprimido. Dos autores portugueses, sem dúvida o Eça. Guardo o prazer da leitura e o livro preferido é o que quero ler. Neste momento tenho para ler em cima da mesa O Infinito num junco, O Século XX Português, The age of surveillance capitalism, A Sociedade Paliativa… Tudo livros desafiantes.

– Um disco/músico preferido?

Não tenho um preferido, tenho muitos, que marcaram uma geração, mas podia dizer outros, importantes internacionalmente, de que gosto também. Por isso digo-lhe um conjunto deles: Zeca Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Chico Buarque, Carlos Paredes, Pinho Vargas, Sara Tavares.

– Um prato preferido?

Gosto de cozinhar e gosto de cozinha portuguesa, particularmente doces. Prato preferido: Leitão à Bairrada.

– Um filme preferido?  

A vida é bela.

– Uma viagem de sonho?

A ida ao México foi surpreendente.

– Um objetivo de vida?

Ter uma família feliz.

– Uma inspiração? (pessoa, livro, situação…)

Pessoa – os meus pais, em especial a minha mãe;
Livro – O escândalo dos infra-homens, de Dom Helder Câmara;
Situação – O 25 de Abril de 1974