Uma em cada quatro mulheres com cancro da mama manifesta um decréscimo cognitivo durante e após os tratamentos a que são sujeitas. A conclusão é de um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), no qual se alerta para a necessidade de uma avaliação do desempenho cognitivo das doentes, antes e após o início das terapias.

Sabe-se que os tratamentos para o cancro, nomeadamente o da mama, têm sido apontados como causadores de alterações cognitivas nas doentes. Problemas de memória, dificuldades de concentração e de tomada de decisões são algumas das dificultadas relatadas.

A maior parte dos estudos publicados sobre o tema não acompanha as doentes durante um período temporal considerável para perceber se o declínio cognitivo verificado é persistente ou se é reversível.

Foi a pensar nisto que, ao longo de cinco anos, os investigadores do ISPUP analisaram a evolução do desempenho cognitivo de 464 mulheres diagnosticadas com cancro da mama. As doentes, seguidas no Instituto Português de Oncologia do Porto (IPO Porto), integram a coorte do ISPUP NEON-BC, acrónimo que resulta de neuro-oncology e de breast cancer), que, desde 2012, procura avaliar o desempenho neurológico de mulheres com cancro da mama submetidas a intervenção cirúrgica e a outros tratamentos no IPO Porto.

“O objetivo era perceber até que ponto é que os problemas cognitivos se arrastavam no tempo e ver qual era a frequência destes problemas a longo prazo”, refere Natália Araújo, primeira autora do estudo agora publicado na revista científica The Breast, e coordenado pelo investigador do ISPUP, Nuno Lunet.

Idade e saúde mental são fatores importantes

De forma avaliar o seu desempenho cognitivo ao longo do tempo, as mulheres foram submetidas ao teste de avaliação cognitiva conhecido como Montreal Cognitive Assessment. O teste foi aplicado antes de iniciarem o tratamento, após um ano do início do tratamento, bem como três e cinco anos após terem começado a terapia contra o cancro.

Os investigadores encontraram dois grupos de mulheres com trajetórias cognitivas distintas. Num dos grupos, a trajetória de performance cognitiva melhorou consistentemente após um ano, tendo continuado a melhorar ao longo do tempo.

Contudo, num outro grupo, que engloba 26% das participantes na investigação, verificou-se o oposto: o desempenho cognitivo das mulheres decresceu após um ano e foi piorando ao longo das várias avaliações. Neste grupo, encontravam-se mulheres mais velhas e com níveis mais elevados de ansiedade e de depressão.

A importância da avaliação após um ano de tratamento

Para se perceber como irá evoluir a trajetória cognitiva das doentes, Natália Araújo destaca a importância da avaliação do desempenho cognitivo, um ano após o diagnóstico de cancro.

“Seria importante, na prática clínica, avaliar o desempenho cognitivo antes do início das terapias e um ano depois, uma vez que, de acordo com o nosso estudo, a descida do desempenho cognitivo durante esse intervalo de tempo demonstrou ser um preditor de uma má performance cognitiva a longo prazo”, refere a investigadora.

Além do mais, “avaliar apenas a performance cognitiva das mulheres antes dos tratamentos não é um bom preditor do desempenho cognitivo futuro das pacientes, uma vez que metade delas acaba por recuperar as suas capacidades, um ano depois”, remata.

Segundo os investigadores, é possível fazer um rastreio cognitivo das doentes de uma forma mais periódica e simples, usando o teste de avaliação cognitiva Montreal Cognitive Assessment. “Através deste teste, que é gratuito, rápido, e que os médicos conhecem e podem aplicar, é possível testar as mulheres antes dos tratamentos, um ano ou vários anos depois”, explica Natália Araújo.

O acompanhamento psicológico das doentes é fundamental para que as dificuldades cognitivas demonstradas, em especial nas mulheres com uma trajetória de declínio cognitivo ao longo do tempo, sejam colmatadas.

O estudo contou com a participação dos investigadores Milton Severo, Luísa Lopes-Conceição, Filipa Fontes, Teresa Dias, Mariana Branco, Samantha Morais, Vítor Tedim Cruz, Luís Ruano, Susana Pereira e Nuno Lunet.

A investigação recebeu financiamento do FEDER, através do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização, e da Fundação para a Ciência e Tecnologia – FCT (Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal), no âmbito do projeto “A five-year prospective cohort study on the neurological complications of breast cancer: frequency and impact in patient reported outcomes”.