Foi recentemente lançado no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S) o primeiro 3R Knowledge Center de Portugal, dedicado à substituição, redução e refinamento da experimentação animal (3Rs) em Ciência.

A iniciativa foi anunciada durante um evento dedicado a este tema, que decorreu nos dias 26 e 27 de abril e que reuniu no i3S investigadores de várias áreas, nomeadamente alguns premiados a nível europeu pelo desenvolvimento de métodos que substituem animais e/ou reduzem o impacto sobre os animais que são usados na investigação.

Portugal era, até agora, um dos poucos países europeus que não tinha um 3R Knowledge Center. Uma falha que, para Anna Olsson, investigadora principal no i3S, que lidera esta iniciativa em Portugal, será colmatada por um centro que «vai potenciar atividades de investigação e de formação em 3Rs com impacto na comunidade científica nacional”.

O princípio dos 3Rs para a investigação em ciências de vida e saúde defende que os investigadores devem sempre procurar substituir (Replace, em inglês, um dos Rs da sigla), Reduzir e Refinar a experimentação animal. Apresentado pela primeira vez em 1959, o princípio dos 3Rs está agora consagrado na legislação que regula o uso de animais para fins científicos, quer ao nível europeu (Diretiva 2010/63/EU) quer português (Decreto-Lei 113/2013).

“Usamos muito mais modelos alternativos do que os críticos acham. Mas a experimentação animal não vai poder ser totalmente substituída tão cedo. Por isso é tão importante investir não só na substituição, mas também no refinamento da investigação com animais”, explica Anna Olsson.

Um Centro aberto a todos os investigadores

Apesar de a prática dos 3Rs estar já bastante incorporada na prática científica portuguesa, não existia nenhuma estrutura organizada e dedicada ao tema no panorama nacional. Por isso, o o primeiro 3RKC – 3R Knowledge Center português, “apesar de nascer no i3S, convida toda a comunidade científica em Portugal (e não só) a juntar-se à iniciativa».

A visão do 3RKC, segundo Anna Olsson, é «disseminar conhecimento e providenciar apoio prático aos investigadores que procuram implementar os 3Rs na sua investigação.

António Jacinto, coordenador do projeto NOVA Institute for Medical Systems Biology e convidado para o evento de lançamento 3RKC, sublinha que os «3Rs são uma prioridade na investigação» e adianta que a instituição que representa «poderá ser das primeiras a associar-se ao 3RKC».

Investigação premiada

Mesmo sem orçamento específico para os 3Rs no sistema de financiamento científico nacional, os investigadores em Portugal têm conquistado reconhecimento internacional pelo desenvolvimento de métodos que substituem animais e que reduzem o impacto sobre os animais que são usados.

De facto, dois dos mais prestigiados prémios europeus no âmbito dos 3Rs foram recentemente atribuídos a investigadores portugueses. Em 2021, Inês Preguiça da Universidade de Coimbra recebeu o prémio de Refinamento da European Partnership for Alternative Approaches to Animal Testing (EPAA), pelo desenvolvimento de um método de administração voluntária de fármacos em animais de laboratório.

em 2022, foi a vez de Daniel Ferreira, do i3S, ser reconhecido pelo National Centre for the Replacement, Refinement & Reduction of Animals in Research (NC3Rs) com o International 3Rs Prize Award. Neste caso a proposta era um método inovador para estabelecer modelos órgão-em-chip com custos reduzidos, tornando este modelo acessível a mais laboratórios.

Mais tecnologia. Menos experimentação animal

Muitos passos no processo de investigação já acontecem regularmente sem experimentação animal, recorrendo a métodos in-vitro menos complexos. Mas a simplicidade destes sistemas limita o tipo de perguntas que podem ser abordadas.

A investigação biomédica que procura descodificar mecanismos de doenças e desenvolver terapias, explica Anna Olsson, “precisa de ter modelos que recapitulam/simulam a complexidade do organismo, incluindo diferentes tipos de órgãos, circulação sanguínea e sistema imunitário. Por isso, é essencial demonstrar e partilhar conhecimento sobre alternativas, nomeadamente a utilização de organoides e órgão-em-chip, que oferecem modelos mais complexos que simulam melhor os sistemas complexos de um organismo”.

Nesse sentido, acrescenta a investigadora do i3S, o 3RKC visa ser, acima de tudo, “um agregador do conhecimento que já existe ou que é desenvolvido de novo por investigadores na sua prática científica, para depois difundir e partilhar na comunidade científica e, dessa forma, tornar o princípio mais ágil, ou seja, que saia mais rapidamente do papel e se torne uma prática global”.

Segundo Anna Olsson, o projeto europeu REMODEL, que agora termina, “permitiu capacitar o i3S nessas novas tecnologias e demonstra bem as vantagens da partilha de conhecimento entre investigadores para implantação de uma estratégia dos 3Rs”. Aliás, sublinha, «foi a experiência deste projeto que alavancou a ideia do 3RKC».