Uma investigação realizada na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) permitiu criar um novo biomaterial para tratar infeções ósseas comuns, altamente incapacitantes e potencialmente catastróficas. O produto tem uma patente internacional e no Brasil e já há empresas a demonstrar interesse em apostar na sua comercialização.

Conduzido por Nuno Alegrete, doutorado pela FMUP, este trabalho é o culminar de mais de uma década de experiências realizadas em laboratório (in vitro) e em modelo animal (in vivo). O objetivo era preencher uma lacuna na investigação e desenvolver um substituto ósseo mais eficaz, mais seguro e muito mais barato.

O biomaterial, produzido em laboratório, é composto por hidroxiapatite (um mineral baseado em fosfato de cálcio e o principal constituinte do osso), à qual se acrescentou colagénio (proteína que estimula a formação de osso), heparina (um anticoagulante) e antibiótico (no caso, a vancomicina).

Depois de colocado na cavidade óssea infetada, o antibiótico é libertado durante o tempo necessário para eliminar a infeção óssea (osteomielite) e o biomaterial é progressivamente incorporado, levando ao preenchimento da cavidade por novo osso.

“Conseguimos obter um produto que liberta o antibiótico por um período de 19 dias, de forma a tratar a infeção, ao mesmo tempo que promove a osteointegração, com segurança do ponto de vista da toxicidade celular. A maior parte das osteomielites poderá ser tratada desta forma”, congratula-se o investigador da FMUP.

O processo obrigou a ultrapassar diversos desafios, desde o cálculo da temperatura ideal para sinterizar o material, até à determinação das doses de concentrações mais eficazes de colagénio e de heparina.

Nuno Alegrete defende que este novo biomaterial permitirá melhorar o tratamento das infeções ósseas, um problema de saúde que diagnostica com frequência na sua prática clínica enquanto médico ortopedista.

“As infeções ósseas são um desafio, em Ortopedia, porque são extremamente difíceis de tratar, apresentam um risco elevado de recaída e de disseminação à distância, e obrigam a tratamentos prolongados com antibióticos sistémicos, que se associam a efeitos adversos, por vezes graves”, esclarece.

De acordo com o investigador, “a osteomielite resulta do atingimento do osso por um micróbio, habitualmente uma bactéria, que pode transmitir-se pela corrente sanguínea (sobretudo em crianças), através de uma ferida, de uma fratura exposta ou cirurgia, ou a partir de uma infeção numa zona próxima”. O aumento das cirurgias para colocação de implantes, placas e próteses potencia o risco destas infeções de uma forma “preocupante”.

“Por mais esterilização que exista, há uma corrida entre as bactérias e as defesas dos doentes. Quando as bactérias se ligam ao osso, começam a multiplicar-se e criam zonas de osso morto (“sequestros”), onde o sangue e os antibióticos não conseguem chegar. Essa infeção pode arrastar-se durante anos ou décadas, tornando-se crónica”, descreve.

Se não for tratada, a osteomielite destrói progressivamente o osso, podendo disseminar-se, provocar fraturas, dor crónica e fístulas, requerendo múltiplas cirurgias e podendo causar incapacidade grave e mesmo morte. Em termos de autoavaliação da qualidade de vida do doente, a osteomielite tem piores resultados do que a patologia oncológica, do que os AVC e do que patologia respiratória.

Até agora, “as osteomielites obrigam à realização de cirurgia para remover os tecidos mortos infetados, o que resulta num “buraco” que tem de ser preenchido. A estratégia clássica consistia em usar um cimento ósseo (PMMA) carregado com antibiótico. No entanto, esse cimento tinha de ser retirado numa nova cirurgia porque funcionava como um corpo estranho, podendo ser, ele próprio, um foco de novas infeções”.

Segundo Nuno Alegrete, este novo substituto ósseo reúne “as características adequadas para poder ser implantado no local da infeção, libertar o antibiótico e matar as bactérias remanescentes, ao mesmo tempo que permite o preenchimento da cavidade como osso novo, sem necessidade de mais uma cirurgia. Existe ainda a possibilidade de dispensar o antibiótico por via sistémica (por via endovenosa ou oral)”.

“A produção e comercialização deste biomaterial poderá ter ainda a vantagem de diminuir as despesas em saúde uma vez que o custo de produção estimado é muito inferior ao dos substitutos ósseos existentes”, contabiliza.

Realizado no âmbito do doutoramento de Nuno Alegrete na FMUP, com orientação de Manuel Gutierres, professor da FMUP, e co-orientação de Fernando Jorge Monteiro, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP)/i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, e Susana Sousa, professora do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP)/i3S, e em conjunto com o grupo Biocomposites, do i3S , este projeto foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).