A atual pandemia fez disparar uma disseminação científica viral, com milhares de estudos divulgados e partilhados a uma velocidade e quantidade sem precedentes. Mas o investigador da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), Ricardo Dinis-Oliveira, alerta que esta prática de ciência “rápida” estará a comprometer a segurança em saúde da população.

Segundo o investigador, a Covid-19 desencadeou uma pandemia viral paralela a nível científico. “Os artigos são publicados a cada minuto e vemos uma ciência que varia entre a robusta e a desonesta”, adianta.

Na opinião de Ricardo Dinis-Oliveira, a comunidade científica deve procurar um equilíbrio entre os benefícios do acesso rápido a novos dados e a ameaça de causar pânico ou decisões clínicas erróneas com base em falhas ou más condutas profissionais.

“Reduzir o rigor dos estudos não traria nenhum benefício e poderia até distorcer o conhecimento que temos desta nova doença.”, explica o professor da FMUP num artigo publicado na revista Forensic Sciences Research.

O exemplo da hidroxicloroquina

O recente episódio com os polémicos estudos que envolveram a utilização da hidroxicloroquina para o tratamento dos doentes infetados com o novo coronavírus, é apenas um dos exemplos que o investigador reconhece como consequência da “pressa em publicar” e da vontade de “ser o primeiro a encontrar uma solução, sem a devida ponderação dos dados pelos autores e pelos pares.”

“Assistimos em menos de um mês a uma das maiores tragédias da ciência recente, com avanços e recuos e recomendações políticas para determinadas terapêuticas”. Ricardo Dinis-Oliveira recorda que algumas das publicações “foram já apelidadas de uma fabricação e monumental fraude e as consequências cronológicas continuaram com suspensão, retoma, e nova suspensão de ensaios clínicos com estes fármacos.”

Responsabilidade dos cientistas

Nas atuais circunstâncias, o também docente do Instituto Universitário de Ciências da Saúde defende que a melhor contribuição dos cientistas e académicos passa por “fornecer informações científicas confiáveis por meio da medicina baseada em evidência”. A “luta contra a má conduta e a desinformação” devem constituir, na opinião de Ricardo Dinis-Oliveira, a principal responsabilidade do cientista.

“Será fundamental que os investigadores, os académicos, as instituições e os decisores políticos estimulem e procurem garantir a integridade científica, bem como a segurança dos participantes nos estudos realizados durante a pandemia”, conclui o investigador.