Um estudo pioneiro em Portugal, que acompanhou 460 sobreviventes de Acidente Vascular Cerebral (AVC) ao longo de um ano, revelou falhas nos cuidados prestados após o evento agudo, mostrando a coexistência de pelo menos 11 percursos alternativos e oito contextos diferentes de prestação de cuidados de reabilitação de AVC dentro do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Liderado por Pedro Maciel Barbosa, estudante do Programa Doutoral em Saúde Pública do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) e da Faculdade de Medicina da U.Porto (FMUP), e fisioterapeuta na Unidade Local de Saúde de Matosinhos, no âmbito da sua tese de doutoramento – Percursos de Reabilitação: como construir uma política de tratamento do AVC –, este é o primeiro estudo a avaliar uma coorte prospetiva de sobreviventes de AVC, desde o evento agudo até à fase crónica da doença.

Os resultados revelam que os sobreviventes de AVC enfrentam dificuldades na recuperação e reabilitação e que existem oportunidades de melhoria ao nível da organização e planeamento da prestação de cuidados de reabilitação.

Este é o primeiro estudo internacional que identifica, mede, avalia e compara os custos e os benefícios dos diferentes percursos de reabilitação do sobrevivente de AVC, ou seja, a sua custo-efetividade. E esta é uma mudança fundamental de paradigma, pois até hoje, internacionalmente, apenas foram avaliados modelos isolados de cuidados, sem considerar a realidade de um sobrevivente de AVC que, depois de sair do hospital, tem um percurso de cuidados longo, desafiante e complexo a cumprir, que se pretende integrado, sem obstáculos, atrasos ou perda de informação”, clarifica Pedro Maciel Barbosa.

De acordo com a análise longitudinal realizada, a qualidade de vida dos sobreviventes de AVC após 12 meses é significativamente mais baixa do que a da população em geral, independentemente do tipo e gravidade de AVC. Além disso, foi identificada uma discrepância entre as diretrizes de boas práticas e o que acontece, na realidade, ao nível da reabilitação: 70% dos sobreviventes não têm acesso à reabilitação intensiva e 80% recebem no máximo cinco sessões de fisioterapia por semana, com menos de 45 minutos cada. Além disso, 65% dos sobreviventes não têm acesso a reabilitação multiprofissional, 30% não têm acesso a plano de alta ou transferência entre contextos de cuidados e 65% não são envolvidos na definição do plano de reabilitação.

Estas lacunas nos cuidados pós-AVC resultam em níveis inadequados de informação, com 70% da amostra a desconhecer o seu prognóstico funcional no momento da alta hospitalar e a afirmar estar insatisfeita, sobretudo com os cuidados de reabilitação prestados nas Unidades de Média Duração, Clínicas comunitárias e equipas domiciliárias.

Um sistema “fragmentado, complexo e redundante”

O estudo identificou ainda uma falta de correspondência em relação às recomendações da Direção-Geral da Saúde (DGS) no que respeita ao modelo de referenciação dos doentes para os diferentes tipos de cuidados pós-AVC. Esta situação, aliada à heterogeneidade dos percursos de cuidados identificados – coexistem, atualmente, pelo menos 11 percursos alternativos e oito contextos de prestação de reabilitação de AVC diferentes em dentro do Serviço Nacional de Saúde (SNS) – revela um sistema “fragmentado, complexo e redundante”, com percursos a variar entre 11.000 e 32.000 euros por ano para o SNS.

De facto, este estudo verificou que sobreviventes com perfil de severidade semelhante obtêm resultados diferentes em percursos diferentes, o que pode indicar iniquidade no acesso a cuidados. Além disso, apenas três dos nove itinerários revelaram ser custo-efetivos, ou seja, 66% da rede deve ser revista, de forma adequar a melhor relação entre qualidade de cuidados, necessidade dos sobreviventes e sustentabilidade futura do SNS.

Por outro lado, 48% da amostra é referenciada para unidades do Setor Social da Rede Nacional de Cuidados Continuados, num primeiro momento, após alta hospitalar. Estas unidades, estando no Setor Social, têm uma lógica de pagamento de acordo com os rendimentos, o que constitui uma barreira no acesso a cuidados logo na primeira fase após AVC, com diferenças entre 0 e 1851€ por utente no primeiro ano dentro do SNS.

Em termos de custo-efetividade, o estudo revelou diferenças significativas nos resultados entre os principais percursos de cuidados pós-AVC, destacando os percursos com início em unidades de Convalescença e Centros de Reabilitação como os mais rentáveis, tanto do ponto de vista do cidadão como do SNS. Não obstante, independentemente do itinerário seguinte, a passagem numa fase precoce por unidades mais intensivas demonstrou influenciar os resultados ao fim de 12 meses, o que deve merecer uma reflexão sobre a reorganização futura.

Em suma, os resultados deste estudo apontam para a necessidade de melhorar os cuidados de reabilitação prestados aos sobreviventes de AVC em Portugal. Identificaram-se oportunidades de melhoria ao nível do sistema de monitorização e informação, do processo de referenciação entre modelos de cuidados e na organização da rede de prestação de cuidados de reabilitação.

“Se tivéssemos de propor cinco medidas fundamentais para a reforma da rede de cuidados de reabilitação, essas passariam por: rever a Norma de Orientação da DGS e o processo de referenciação; prolongar a Via-Verde além do hospital até os 6 meses após AVC através de circuitos dedicados dentro da Rede de Cuidados Continuados; diminuir o número de itinerários disponíveis definindo 3-4 itinerários para diferentes perfis de AVC; garantir reabilitação intensiva e multiprofissional até 3-6 meses a cerca de 70% dos utentes; e aumentar o número e a duração da estadia nas Unidades de Convalescença”, indica Pedro Maciel Barbosa.

“A literatura considera que Portugal é um dos países europeus com maior potencial para reduzir a incidência e prevalência do AVC nos próximos anos, o que deve motivar um desafio para a construção de uma política de tratamento do AVC baseada na melhoria da qualidade e respeitando o necessário equilíbrio entre a sustentabilidade financeira e os melhores resultados possíveis em saúde”, conclui o investigador.