Cresceram e afirmaram-se como “Mulheres na Ciência” nos laboratórios da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), mas a realidade com que lidam diariamente não é igual para todas. Para Sandra Alves, por exemplo, “ser mulher em Ciência de Computadores, sendo uma área predominantemente masculina, implica frequentemente lidar com estereótipos, desigualdades e preconceitos de género”, reconhece a docente do Departamento de Ciência de Computadores da FCUP.
Para lidar com esses obstáculos, a também investigadora do INESC TEC promove atividades de divulgação do trabalho das mulheres da sua área científica. Defende um “maior desenvolvimento de ambientes e práticas inclusivas, que promovam um envolvimento igualitário das gerações mais jovens nas áreas STEM”.
Já Catarina Dias, investigadora do Instituto de Física de Materiais Avançados, Nanotecnologia e Fotónica (IFIMUP), sediado no Departamento de Física e Astronomia da FCUP, admite não se “sentir diferente” a trabalhar numa área “tradicionalmente de homens”. Um “privilégio”, confessa, mas que não a impede de lançar um olhar crítico sobre o universo científico nacional. “Uma ideia não chega para mudar”, avisa.
No departamento “vizinho”, de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território, Ana Cláudia Teodoro nota um “esforço adicional e excelência” que é necessário dedicar, enquanto mulher, para “alcançar reconhecimento em ciência, tanto a nível nacional como internacional”.
A docente e investigadora no Instituto de Ciências da Terra concorda com Catarina Dias quando esta diz que, para melhorar a Ciência nacional, há que “diminuir a imprevisibilidade e a burocracia”. Um aspeto que, para Ana Cláudia Teodoro, “impede o avanço da ciência”.
Na opinião de Isabel Labouriau, professora no Departamento de Matemática e investigadora no Centro de Matemática da Universidade do Porto (CMUP), “ser mulher matemática em Portugal é normal; há muitas e muito competentes”. Uma realidade diferente do panorama internacional em congressos, assinala, com a participação de poucas mulheres nesta área.
O que há a melhorar na Ciência em Portugal? Isabel Labouriau não tem dúvidas: “a ciência em Portugal precisa de estabilidade e que a sobrevivência dos cientistas jovens não dependa do trabalho a prazo”.
Conciliar a vida familiar e a carreira
“Ser mulher em Ciência ainda significa lidar, por vezes, com dificuldades em conciliar a carreira com a vida familiar”, nota a investigadora e professora do Departamento de Biologia, Cláudia Serra.
Na visão da cientista do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR-UP), que trabalha com novas ferramentas para melhorar a saúde e bem-estar dos animais em aquacultura, é fundamental um aumento de financiamento e uma aposta na estabilidade da carreira. “Temos de convencer o tecido empresarial e o mecenato científico de que o investimento em ciência pode significar o alavancar dos seus negócios e também da sociedade portuguesa como um todo”.
Um equilíbrio entre a vida pessoal e familiar também frisado pela cientista e professora Susana Soares, do Departamento de Química e Bioquímica. Para a investigadora no Laboratório Associado para a Química Verde (LAQV/REQUIMTE), a criação de mais emprego científico e a aposta no empreendedorismo são fundamentais. “Mais incentivos para a contratação de doutorados pelas empresas, para a realização de doutoramentos em empresas e também para a criação do próprio emprego”.
Educação, mindset e combate à precariedade
A educação está na base de tudo. Afinal, a ciência é uma paixão a transmitir aos mais novos. A missão é dos professores e, na formação dos do futuro, há mudanças a fazer. Para Cecília Guerra, da área da didática da Biologia e professora na Unidade de Ensino e Divulgação da Ciência, ser Mulher em Ciência é embarcar numa “jornada incrível”.
O objetivo deste trabalho é inspirar “os (futuros) professores a moldar coletivamente o destino da educação em Portugal”, uma vez que serão eles que irão contribuir para o futuro da Ciência no nosso país. “É fundamental investir no desenvolvimento de inovações educativas advindas da investigação, para integrar esse conhecimento no processo de formação dos (futuros) professores”, ressalva.
Mas estar na Ciência, salienta a investigadora e Diretora da FCUP, Ana Cristina Freire, “é um modo de estar na vida, um mindset, independentemente de se ser mulher ou homem”.
“A Ciência deve contar com pessoas que consigam observar, dialogar, ser desafiadas pelo mundo que nos rodeia, que nos questiona, que nos obriga a ser pessoas criativas e pessoas compreensivas”, entende. E, para isso, remata com a necessidade de um maior investimento transversal a todas as áreas da ciência e consensual nas mulheres cientistas que ouvimos: mais financiamento para a investigação e um compromisso para o combate à precariedade dos recursos humanos em Ciência. Uma realidade sentida tanto por homens como por mulheres e uma luta que talvez um dia também tenha um dia (inter)nacional.