Um estudo colaborativo liderado pela investigadora do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR),  Irina Gorodetskaya, revela novos dados alarmantes sobre o impacto de eventos de vagas de calor no degelo da superfície da Península Antártica.

Publicado na revista npj Climate and Atmospheric Science, do grupo Nature, este estudo surge no seguimento da última expedição realizada por Irina e pela sua equipa à península Antártida. O trabalho debruça-se, em particular, sobre os fatores impulsionadores e impactos de uma onda de calor extrema, e sem precedentes, que atingiu a Península Antártica em fevereiro de 2022, causando um degelo recorde da sua superfície.

Este novo evento registado pela investigadora do CIIMAR não só se equiparou aos registos de temperatura na Península Antártica que já tinham sido registados em 2015 e depois em 2020, como também amplificou uma série alarmante deste tipo de eventos em toda a região, indicando uma tendência de aquecimento significativamente mais forte em comparação com o resto da Antártida.

Na verdade, a Península Antártica ergue-se como uma das principais testemunhas do avanço implacável das alterações climáticas. Entre 1979 e 2019, emergiu na região uma tendência notória para eventos de temperatura extremos: não só mais longos como de maior amplitude dos quais se destacam os eventos de calor extremo.

Estes extremos de calor podem ter um impacto significativo e imediato na criosfera – a parte congelada do sistema terrestre – ao induzir efeitos que reforçam e aceleram a tendência de aquecimento.

Temperaturas em ascensão, consequências amplificadas

Os investigadores envolvidos no estudo “Record-high Antarctic Peninsula temperatures and surface melt in February 2022: a compound event with an intense atmospheric river” utilizaram dados observacionais e modelos climáticos numéricos que analisaram fatores como a temperatura, padrões de circulação atmosférica, estrutura da troposfera e da estratosfera inferior, ocorrência de degelo da neve e fontes de humidade, para compreender os processos subjacentes que levam a estes eventos extremos e ao degelo da superfície.

Uma das descobertas principais do estudo foi o impacto direto de um intenso rio atmosférico – longos corredores de calor e humidade transportados na atmosfera, vulgarmente conhecidos como “rios no céu” – que trouxe calor e chuvas incomuns à zona norte/noroeste da Península Antártica.

O cenário, que já não era favorável, foi ainda amplificado por interação de outros padrões de circulação atmosférica em grande escala, resultando num degelo generalizado e intenso da superfície em toda a região. Apesar do efeito indesejável, esta experiência permitiu vistulmbrar de forma distinta o sistema climático em funcionamento.

“Foi incrível ver esta estreita interação entre muitos processos do sistema climático – desde a convecção tropical ao rio atmosférico e à forte fusão sobre a Península Antárctica”, afirma Irina Gorodetskaya, autora principal do estudo.

Implicações para o futuro

As implicações destes fenómenos de calor extremo são devastadores. O trabalho liderado pela investigadora do CIIMAR sublinha o nível recorde e generalizado de degelo à superfície da Península Antárctica e das suas plataformas de gelo, onde as temperaturas rondam já os 0°C, sobretudo no verão. Durante esta onda de calor, as temperaturas atingiram 14ºC na parte ocidental e setentrional e 18ºC na parte oriental da Península Antárctica, temperatura incrivelmente quente no contexto do verão antártico. “Para além do degelo generalizado à superfície, houve muita precipitação em toda a Península Antárctica, que se está a tornar cada vez mais frequente, substituindo a queda de neve, especialmente no norte da Península Antárctica” – destaca Claudio Durán-Alarcón, coautor do estudo.

Estes grandes fenómenos de degelo podem levar a uma potencial desestabilização das plataformas de gelo da Península Antárctica, com impactos de grande alcance que vão desde a escala local à escala global. Estes efeitos podem incluir a aceleração da perda de massa de gelo da Península Antárctica com contribuição para a subida do nível do mar, assim como de alterações em ecossistemas mais sensíveis a estas alterações.

Infelizmente, o histórico de trabalho das diversas equipas a investigar a Antártida preveem que a frequência destes fenómenos aumente significativamente nas próximas décadas. A opinião da equipa de investigadores envolvida neste estudo não é excepção: “Mostramos que estes fenómenos extremos de calor já estão a tornar-se mais intensos e têm uma maior probabilidade de ocorrência no atual clima mais quente, em comparação com o período de 1960-1990” – afirma Sergi González-Herrero, investigador do Instituto WSL de Investigação sobre Neve e Avalanches (SLF), na Suíça, e coautor do estudo.

“À medida que as temperaturas aumentam, prevê-se que o degelo à superfície sofra um aumento considerável, conduzindo potencialmente a lagoas formadas pelo degelo cada vez maiores e mais duradouras. Nas plataformas de gelo, esta água de fusão pode aumentar as fissuras do gelo, enfraquecendo a sua estabilidade”, acrescenta Irina Gorodetskaya, que embarcou, este mês de fevereiro, para mais uma expedição à península Antártica que promete dar continuidade ao trabalho até agora realizado (o trabalho pode ser acompanhadas no blogue criado pela investigadora).

Irina Gorodetskaya and Claudio Durán-Alarcón embarcaram, este mês, em mais uma expedição à península Antártica and continue precipitation radar measurements at King Sejong station. (Foto: Yosvany Garcia). 

O caminho a seguir

Compreender os processos e impactos subjacentes a estes fenómenos extremos de temperatura é fundamental para as projeções futuras do nível do mar na Antártida e a nível global. Os investigadores envolvidos neste trabalho sublinham a necessidade de continuar a investigação para desvendar os mecanismos exatos que levam a estes extremos. Este conhecimento é vital para fortalecer a nossa compreensão das suas consequências e tomar medidas proativas para mitigar os seus impactos.

Este estudo colaborativo, que reuniu 25 investigadores de todo o mundo, não só evidencia o ritmo alarmante das alterações climáticas, como também sublinha a necessidade urgente de uma ação coletiva para salvaguardar uma das regiões mais vulneráveis do planeta.

Este estudo foi realizado no âmbito do Ano de Previsão Polar no Hemisfério Sul (YOPP-SH) – os Programas Mundiais de Investigação Meteorológica e Climática da Organização Mundial de Meteorologia (OMM), bem como o programa “Near-term variability and prediction of the Antarctic Climate system” (AntClimNow) do Comité Científico para a Investigação na Antártida (SCAR). Este trabalho foi financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia (projetos ATLACE e MAPS), com contribuições do projeto ARCA da Agência Nacional de Investigação Francesa, de bolsas da Fundação Nacional da Ciência dos Estados Unidos da América, do Marsden Fund da Royal Society da Nova Zelândia, do Instituto de Investigação Polar da Coreia (KOPRI), o Programa Estatal Ucraniano de Investigação para Fins Especiais na Antártida e de várias bolsas nacionais (Argentina, Chile, Bélgica).

O apoio logístico na Antártida (King George Island) foi financiado através do Programa Polar Português, do Instituto Antártico Chileno (INACH) e Korean Polar Research Institute.