Com poucas alternativas de tratamento e com grande resistência aos fármacos, as infeções provocadas por fungos estão a aumentar em todo o mundo, principalmente entre as populações imunocomprometidas. De tal forma que, em 2022, foram consideradas pela OMS uma prioridade a nível de saúde pública. É neste contexto que um trabalho científico publicado recentemente na revista mBio, e coordenado pela investigadora Sandra Macedo Ribeiro, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), vem responder a esta urgência de encontrar novos antifúngicos eficazes e sem efeitos secundários.

A trabalhar em colaboração com investigadores do Instituto de Biología Molecular y Celular del Cáncer, em Salamanca (Espanha), o grupo «Biomolecular Structure & Function» do i3S, liderado por Sandra Macedo Ribeiro, centrou-se no estudo do Candida albicans, um fungo presente naturalmente no organismo humano (intestino, cavidade oral e mucosa vaginal) sem causar infeção ou sintomas.

O Candida albicans vive em equilíbrio com o seu hospedeiro (o ser humano), sendo controlado pelo sistema imunitário. Mas, tratando-se de um germe oportunista, ele vive silenciosamente no nosso corpo durante anos, à espera de um desequilíbrio no nosso sistema imunitário para atacar. Nessa altura, ganha espaço para se desenvolver e instala-se.

Atualmente, explica a investigadora, “os fungos do género Candida são um dos maiores causadores de infeções hospitalares, mas também são muito frequentes em doentes crónicos, em doentes oncológicos, idosos e em pessoas imunodeprimidas”.

Para além do aumento exponencial das infeções fúngicas, grande parte dos fungos são resistentes aos fármacos existentes e as opções de medicamentos são reduzidas. Os últimos antifúngicos a entrar no mercado para o tratamento de infeções fúngicas invasivas (que afetam os órgãos internos) foram as equinocandinas, em 2000, que se caracterizam por fragilizar a parede celular dos fungos. Em 2014, foi aprovada uma nova molécula, mas apenas para o tratamento da oncomicose (infeção nas unhas).

Segundo Sandra Macedo Ribeiro, existe ainda um outro problema. “Os alvos terapêuticos deste fungo, ou seja, as proteínas deste fungo, são muito semelhantes às proteínas humanas, por isso, para além de ser prioritário encontrar antifúngicos que combatam as proteínas de Candida albicans, é fundamental que estes antifúngicos não causem efeitos secundários, o que aconteceria se reconhecessem também as proteínas humanas”, aponta a investigadora do i3S.

Pedido de patente já foi submetido

José Manso, primeiro autor e corresponsável pelo artigo, explica que a Candida tem pelo menos duas formas: «Redonda, quando se dissemina pela corrente sanguínea, ou alongada, quando coloniza as células dos órgãos”, Na verdadeo, “é precisamente nesta capacidade de se converter na forma que lhe for mais favorável para sobreviver que reside grande parte da sua infecciosidade”.

A equipa decidiu, por isso, estudar o mecanismo que permite à Candida albicans converter-se ou mudar de forma. Mais especificamente, explica o investigador, “estudámos uma proteína chamada RAS que interage com outra proteína denominada GEF, formando o «complexo de ativação da RAS», chave para ativar a transição de Candida de uma forma benigna para uma forma virulenta”.

Trata-se de duas proteínas muito semelhantes às proteínas humanas, mas, acrescenta José Manso, “ao determinarmos as estruturas tridimensionais destas duas proteínas do Candida, conseguimos identificar uma região específica na zona de interação das duas proteínas do fungo, que não está presente nas proteínas humanas. Ou seja, descobrimos um novo alvo para medicamentos antifúngicos”.

Com este conhecimento, continua Sandra Macedo Ribeiro, “desenhámos um péptido (uma pequena sequência de aminoácidos) que atua nesta zona e compete com a RAS, impedindo a formação do «complexo de ativação da RAS». Este péptido pode ser usado para desenhar compostos mais específicos para criar novos medicamentos antifúngicos”». Entretanto, a equipa do i3S já submeteu um pedido provisório de patente deste composto.

“O próximo passo é provar, em contexto laboratorial, que utilizando estes compostos conseguimos impedir a mudança de forma do fungo in vivo, o que seria um importante passo para o desenvolvimento de um novo medicamento contra este importante patógeno humano, adiantam os investigadores.