Uma oportunidade única para ver a cidade do Porto ao pormenor e em movimento. A partir do próximo dia 6 de março, passa por aí a proposta de 1+1=1, título da exposição que vai “pintar” as galerias da Casa Comum (à Reitoria) da Universidade do Porto com trabalhos dos artistas João e Dulce Barata Feyo. Inaugura às 18h00 e a entrada é livre.

Retomamos um tema de Almada Negreiros: 1+1=1. Sendo que, neste caso, a alteridade confirma a autonomia do trabalho artístico de cada elemento do casal Barata Feyo.

À espera dos visitantes da exposição estará, assim, uma paisagem urbana que se situa “entre a quietude patrimonial e as investidas pulsáteis de quem a habita”. A essência, a ação e o conhecimento “per se” é o que nos transmitem estas paisagens urbanas de João, e os “mapas pintados de Dulce”, afirma a curadora, Maria de Fátima Lambert. Assim se complementam.

Vivências fronteiriças

Nada acontece sem a firmeza dos alicerces. É assim para ambos. A liberdade do traço é refém da força dos pilares que o seguram. Para João Barata Feyo, a aventura começa com fotografias de pormenores de fachadas de casas da cidade do Porto, e o recurso a um compasso para medir as escalas das portas, das janelas e dos telhados, num trabalho que obedece à filigrana do olhar. É assim que, camada após camada, à lupa, se constroem as suas cidades.

Para Dulce Barata Feyo, por sua vez, o rigor das linhas mestras é o ponto de partida. Cria uma matriz da qual brotam, quase de forma escultórica, formas e cores.

O jogo das proporções prossegue até as formas geométricas se encontrarem em equilíbrio. Como refere a curadora da exposição, as paisagens convertem-se “em mapas dinâmicos, propulsores de ideias”.

Se um identifica a forma como uma aldeia ou uma a cidade se organiza, o outro dá-lhe cor e movimento. Confere-lhe vida. Fátima Lambert recorre à ideia de “vivências fronteiriças”. São trabalhos “que multiplicam a cidade” (…) paisagens urbanas que ecoam vozes”, revelam-se “ativas e constantes”. Assim se complementam os trabalhos de João e Dulce Barata Feyo.

A felicidade, paredes meias com o conflito

João começou por desenhar o que considerava identitário dos lugares que ia visitando. A formação em arquitetura desperta-lhe o olhar para a malha urbana que denuncia a forma, mais ou menos caótica, como cada sociedade se organiza.

Começou por desenhar o que via da sua janela, em Florença. Continuou a desenhar outras cidades, nomeadamente no Alentejo, onde os telhados são substituídos por pátios e os moradores se demoram, em dias de mais luz. É este mesmo caracter identitário, de pertença a uma determinada comunidade, que encontrou nos ornamentos das mulheres de algumas tribos que também desenhou.

“O casario é visto na sua pele-superfície de fachadas sobrepostas, revestimentos que albergam paredes, janelas e portas; seguram a memória nessa visão panorâmica que contém o gregário”, afirma a curadora. Casas que “resguardam as idades da história do mundo e das pessoas cujas vidas são deixadas a seu cuidado”. Locais onde as “pequenas felicidades” se escondem, as angústias se desenvolvem e os conflitos se acentuam.

“Os hábitos entranham‐se mais; os objetos adquirem afetos sublimados; as paixões e/ou os amores comedidos usam todas as salas ou esgotam‐se à janela do sótão, olhando para cima, o céu”, acrescenta Fátima Lambert.

João Barata Feyo no seu atelier. (Foto: DR)

O mergulho da Alice

A bússola de Dulce Barata Feyo privilegia, grosso modo, o eixo vertical e horizontal, mas depois o comprometimento é com a cor. Podem ser esboços de cidades, territórios, paisagens ou atmosferas. O movimento lança-nos convites. Convida ao mergulho, qual Alice (no País das Maravilhas).

Sobre alguns quadros de Dulce que trazia na memória, o pintor, e antigo estudante da Escola Superior de Belas-Artes do Porto (precursora da FBAUP) Júlio Resende, escreveu que “o verosímil acidental em forma (…) balança com a harmoniosa cópia de cor e põe ao nosso alcance um outro universo, agora, e assim, também já nosso”. Serão “espaços de uma cidade escondida entre brumas, guardando o mistério da sua poesia? (…) Firmamentos que anunciam uma harmonia reconfortante? Essa é a função da arte, e temos conversado!”.

Dulce Barata Feyo no seu atelier. (Foto: DR)

1+1=1

A “densidade da relação eu-tu”, revela-se “no par: mulher-homem”, diz Maria de Fátima Lambert. A curadora sublinha que, nesta exposição, “os casos de alteridade confirmam autonomia”. As “figuras e casarios nos desenhos virtuosísticos de João Barata-Feyo” e os “vislumbres de paisagens-mapas imaginados – em sublimidade cromática sobre a realidade – nas obras de Dulce Barata-Feyo” levam-nos numa viagem pelos “reinos da imaginação”. Gerando, em simultâneo, “ruturas construtivas de identidades diferenciadas”.

Desta forma, os dois artistas (ou seja, 1+1) “dialogam em alteridade focada num prisma aglutinante que reverbera”.

A ideia de “1+ 1= 1” foi defendida por Almada Negreiros em “Direção Única”, uma conferência que proferiu no Teatro Nacional de Almeida Garrett em 1932, a propósito da colaboração entre dois artistas. No caso da parceria nesta exposição, contudo, os casos de alteridade confirmam autonomia, ao mesmo tempo que se completam.

A exposição 1+1=1 vai estar patente ao público até 6 de maio de 2023. A entrada é livre.

Sobre João e Dulce Barata Feyo

Escultor, Arquiteto e Professor Jubilado da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), João Barata Feyo concluiu o mestrado em Arquitetura na Faculdade de Arquitetura da U.Porto (FAUP).

Tem obra plástica na área da escultura, desenho, medalhística e pintura, exibida em exposições individuais e coletivas. Colaborou com o pai, o Mestre Salvador Barata Feyo em obras como: o Monumento ao Infante D. Henrique, de Sagres, a Estátua de Bartolomeu Dias, da Cidade do Cabo; estátuas para a Ponte da Arrábida, Palácio de Justiça, a de D. João VI e de Vímara Peres, no Porto.

Entre as inúmeras distinções que somou ao longo da carreira incluem-se o prémio da Comissão da Imprensa e Crítica de Arte, na Primeira Bienal de Paris, o Prémio Mestre Manuel Pereira do Secretariado Nacional de Informação, ou o primeiro prémio no Concurso da Medalha Comemorativa da União de Bancos Portugueses.

Natural de Fafe, Dulce Barata Feyo licenciou-se em Pintura pela Escola Superior de Belas Artes (futura Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto) em 1983. Foi aluna de Dórdio Gomes, Augusto Gomes, Júlio Resende e Luis Demée, entre outros.

Individual ou coletivamente, participa regularmente em exposições desde 1983. Está representada em coleções particulares, assim como em instituições públicas e privadas.