Especialistas em Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) fizeram um estudo de balanço das tendências em casos de eutanásia e de suicídio medicamente assistido nos países onde estas práticas são legais.
O estudo foi publicado na revista científica Health Policy, numa altura em que a Assembleia da República se prepara para discutir novamente, a 9 de junho, a despenalização da morte medicamente assistida.
“Vamos aprovar uma lei, mas sabemos pouco sobre a forma como as decisões das pessoas evoluem ao longo do tempo. É muito importante sabermos mais sobre isto para diminuirmos os erros associados a este processo. A estabilidade da decisão é uma condição importante”, defende Miguel Ricou, que coordenou este trabalho.
De acordo com o professor da FMUP, “o nosso estudo será importante não apenas para Portugal, mas para todos os países. Apesar de existirem vários países onde esta prática é uma realidade há muitos anos, o conhecimento sobre a evolução da vontade de morrer neste contexto é reduzido, o que nos parece preocupante”.
“Há muitas interrogações”
Os autores analisaram o sexo, a idade, a doença, o sofrimento reportado e o local da morte quer em casos de eutanásia, quer de suicídio medicamente assistido e concluíram que os doentes eram sobretudo homens entre 70 e 89 anos de idade e sofriam de cancro. A maioria morreu em casa.
Este estudo mostra também que “vários pacientes retiram os seus pedidos de antecipação da morte durante o processo, mas não se conhecem as causas nem os timings”. Percebeu-se igualmente que “as pessoas preferem a eutanásia ao suicídio assistido, mas não estamos seguros dos motivos. Sabemos que a existência ou não de cuidados paliativos não parece ser determinante para os pedidos de antecipação da morte, mas não percebemos porquê. Ou seja, há muitas interrogações”.
Segundo os autores, “em praticamente todos os países, os pacientes reportaram sofrimento físico e psicológico, ainda que esta distinção seja discutível. Contudo, as leis diferem. Na Bélgica, Holanda, Canadá e Luxemburgo, é exigido que a doença provoque um sofrimento físico e um sofrimento psicológico insuportáveis e sem perspetiva de melhoria. Na maioria dos outros países, apenas pessoas com doenças terminais e com uma esperança de vida abaixo dos seis meses têm acesso ao processo”.
A propósito, Miguel Ricou considera que “o grande desafio, que é muito difícil de resolver, é que aquilo que está em causa é o sofrimento insuportável, não mitigável. E isso não depende, apenas, do tipo de doença. Depende das pessoas e dos seus contextos. Podemos ter sofrimento sem dor física, e podemos ter dor física sem sofrimento”.
Assim, “o que está de facto em causa não é a doença, mas sim o sofrimento que a pessoa vive que irá condicionar o seu desejo de antecipar a morte. É por isso mesmo que a Plataforma Europeia Wish to Die, que coordeno, a partir da FMUP, tem desenvolvido investigação nesta área, e que poderá ser determinante para diminuir a possibilidade de erros de avaliação neste processo”.
“Não se pode deixar estas pessoas sozinhas a tomar decisões tão difíceis”
O trabalho coordenado pelo professor da FMUP indica ainda que, nos países analisados, os médicos de família são os profissionais de saúde mais frequentemente envolvidos. Em Portugal, está previsto que existam um “médico orientador” e um médico especialista na doença, mas, para Miguel Ricou,“estas pessoas devem ser acompanhadas psicologicamente ao longo de todo o processo. Não se pode deixar estas pessoas sozinhas a tomar decisões tão difíceis”.
“A forma como as pessoas vivem estes processos é muito variável e subjetiva, pelo que deve ser explorada pelos profissionais que têm competências nessas áreas, ajudando as pessoas nas suas decisões e tentando evitar o que todos queremos evitar, que são os erros graves”, acrescenta.
Além de Miguel Ricou, assinam este artigo os investigadores Sílvia Marina e Helena Pereira (FMUP/CINTESIS) e ainda Tony Wainwright, da Universidade de Exeter, no Reino Unido.