Um consórcio internacional de investigadores, liderado a partir do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR-UP) da Universidade do Porto, sequenciou o genoma da gorgónia-camaleão, uma espécie de coral mole que ocupa uma grande distribuição do mediterrâneo, incluindo a costa portuguesa, e que é altamente ameaçada pelas ondas de calor marinhas. Os resultados, que acabam de ser publicados na revista especializada Genes, Genomes and Genetics, permitem prever a resposta da espécie ao aquecimento global.
Quando pensamos nas evidências das alterações climáticas no oceano, remetemos frequentemente aos seus efeitos na grande barreira de coral australiana. Mas o Mar Mediterrâneo, além de reconhecido como um hotspot de biodiversidade, mostra também ser um verdadeiro hotspot de mudanças climáticas.
Na verdade, a bacia do mediterrâneo está a aquecer mais do que outras zonas a nível mundial e tem assistido nas últimas décadas a diversos eventos de mortalidade em massa e em grande escala ligados a ondas de calor marinhas. Ao longo dos milhares de quilómetros de costa mediterrânica foram já relatados inúmeros eventos deste tipo que afetaram dezenas de invertebrados marinhos.
Entre as espécies afetadas inclui-se o octocoral Paramuricea clavata, de nome comum gorgónia-camaleão, que vive em habitats rochosos temperados entre 15 e 200 metros de profundidade e desempenha um importante papel ecológico atuando como um verdadeiro engenheiro de ecossistemas e criador de habitat.
Os segredos no genoma
A equipa internacional de investigação, liderada pelo investigador Jean-Baptiste Ledoux, do CIIMAR, sequenciou o genoma deste octocoral e acredita que esta informação permitirá caracterizar as diferentes respostas das espécies ao aumento da temperatura da água devida às alterações climáticas e abrirá caminho para estratégias de conservação das espécies e habitats.
“O nosso objetivo era sequenciar o genoma da gorgónia-camaleão mediterrânea para fornecer os recursos genómicos necessários para estudar sua eco evolução no contexto das mudanças climáticas e, em última instância, melhorar a sua conservação”, afirma Jean-Baptiste Ledoux.
Os detalhes da investigação estão reunidos em artigo científico publicado esta semana na revista especializada Genes, Genomes and Genetics.
Em conjunto com os dados experimentais e de campo sobre a resposta das espécies a alterações térmicas, os dados genómicos permitiram aos investigadores verificar que a resistência das gorgónias a esses eventos térmicos extremos é sobretudo determinada por fatores genéticos. De facto, amostragens de campo feitas na sequência de anteriores eventos de mortalidade em massa, demonstraram que indivíduos e populações dentro da mesma espécie são afetados de forma diferente. Isto sugere que, muito provavelmente, sejam os fatores genéticos a determinar a resistência a eventos térmicos extremos.
O impacto do aquecimento global
Para os investigadores, este novo recurso genómico lança um foco de luz sobre a ecologia e a evolução da gorgónia-camaleão no contexto do aquecimento global. Além disso, permitirá ainda caracterizar regiões do genoma envolvidas na resposta ao stress térmico, que podem ser utilizadas para identificar indivíduos resistentes ao aquecimento e, quem sabe, serem utilizados na colonização de habitats.
Contudo, os autores do estudo alertam para a pouca informação atualmente disponível sobre outros genomas de cnidários – grupo ao qual pertencem as gorgónias -, principalmente no que diz respeito às espécies de águas temperadas, e incentivam a comunidade científica a investir nestes recursos genómicos. Esta informação será indispensável, não só para alimentar o potencial do estudo em questão, mcomo as também para abordar outras questões que passam por temas tão abrangentes como a biologia e evolução da biodiversidade animal.
“A sequência do genoma que produzimos para a espécie Paramuricea clavata é particularmente interessante, considerando que a maioria dos esforços genómicos até agora estão focados em corais tropicais. Além disso, fortalece a posição da gorgónia-camaleão como uma espécie modelo para estudar o impacto do aquecimento global, ampliando nossa compreensão das questões ligadas à eco-evolução da biodiversidade marinha no Antropoceno ”, conclui Jean-Baptiste Ledoux.