Um estudo piloto, conduzido por investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR-UP) e da Universidade Católica Portuguesa (UCP), e recentemente publicado na revista científica “Environmental Toxicology and Pharmacology”, comprovou a presença de níveis significativos de glifosato – o herbicida mais vendido em Portugal – em adultos portugueses.

O glifosato é um biocida de amplo espectro e o ingrediente ativo dos herbicidas mais usados ​​em todo o mundo. Apesar de várias entidades mundiais (Ex: European Food Safety Authority-EFSA, US Environmental Protection Agency) declararem a substância toxicologicamente segura, vários estudos indicam que, se ingerida abaixo de determinados valores de referência, pode induzir efeitos nefastos para a saúde tais como alterações no microbioma, no DNA e disfunção mitocondrial. Acresce que as consequências da exposição crónica em humanos a este composto são praticamente desconhecidas.

Ao nível de Portugal, não existiam ainda quaisquer registos científicos publicados relativamente à exposição de humanos ao glifosato. O estudo agora publicado baseou-se na análise de amostras de urina – recolhidas voluntariamente – e testadas para o glifosato e para o seu principal metabólito, o ácido aminometilfosfónico (AMPA) através técnicas de cromatografia e espectrometria de alto desempenho em dois momentos e recorrendo a dois laboratórios diferentes.

Apesar de os valores registados estarem ainda abaixo dos valores aceitáveis de exposição, não demonstrando um risco sério para a saúde dos voluntários deste trabalho, o estudo evidencia a particularidade da situação em Portugal, onde o glifosato é amplamente utilizado para fins agrícolas.

Comercializado por várias empresas e vendido livremente para uso doméstico em hipermercados, hortos e outras lojas, este herbicida é igualmente usado com abundância por muitas autarquias para limpeza de arruamentos.

Resultados cautelosos

Cristina Calheiros, investigadora do CIIMAR, assume, contudo, algumas “limitações” do estudo, nomeadamente o facto de os participantes registarem, na sua maioria, um elevado consumo de alimentos biológicos. “De acordo com o inquérito nacional alimentar e de atividade física, o consumo de produtos biológicos ronda os 12%, enquanto que no nosso estudo este valor atinge um valor de cerca de 80%, para as duas rondas de análise. Estes dados poderão ter reduzido a representatividade da população portuguesa, dado que quem consome produtos biológicos estará provavelmente menos exposto a esta substância”, admite a investigadora.

De qualquer forma, e apesar das limitações evidenciadas pelos autores, a exposição ao glifosato foi detetada na urina de portugueses adultos, com percentagens de glifosato e AMPA em ambos os momentos e nos diversos métodos de análise, com valores acima de estudos anteriores realizados noutros países europeus.

De acordo com Paulo Nova, da UCP, “temos que olhar para estes resultados de uma forma cautelosa e científica. Se por um lado, do ponto de vista toxicológico, os valores obtidos neste estudo estão claramente abaixo dos valores aceitáveis de exposição para a população em geral, a percentagem de indivíduos contaminados e a constatação da reexposição na segunda ronda de estudo (o que demonstra que os participantes estão muito provavelmente expostos à substância de uma forma crónica), devem ser alvo de estudos mais aprofundados em investigações futuras.”

A urgência de mais estudos

Os investigadores do CIIMAR e da UCP apelam, por isso, para a urgência de estudos mais aprofundados e representativos da população portuguesa. E destacam a importância de se determinar as fontes de contaminação exatas assim como as vias de exposição para uma melhor compreensão de como as populações entram em contacto com este composto.

Apesar das limitações, este é o primeiro estudo científico de avaliação do glifosato em Portugal contribuindo para conhecer o mapa da exposição ao glifosato na Europa.