Cientistas do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S/IBMC) da Universidade do Porto e do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) da Universidade de Coimbra identificaram novos alvos para o combate às micobactérias atípicas responsáveis por infeções pulmonares graves, entre outras. A descoberta, publicada este mês na conceituada revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA, revela detalhes da biogénese de polissacáridos raros envolvidos na construção da parede destas bactérias ambientais, muito comuns em redes de distribuição de água.
O trabalho conjunto destas duas equipas de investigação, com a participação de um grupo do Instituto de Tecnologia Química Biológica da Universidade Nova de Lisboa, dá um importante passo na luta contra as doenças causadas por estas bactérias – extremamente resistentes a condições ambientais adversas, a desinfetantes e à maioria dos antibióticos – e cada vez mais frequentes em pessoas com sistema imunitário enfraquecido, incluindo doentes crónicos ou e/ou populações idosas.
Esta investigação de cerca de cinco anos passou por compreender como os polissacáridos de metilmanose (MMP) eram produzidos pelas micobactérias, para se tentar esclarecer como contribuem para a robustez da sua parede. «Entender a forma como as micobactérias constroem essa parede protetora única poderá ser a chave para a conseguir “derrubar”. Começámos por identificar os genes e as funções das enzimas envolvidas na produção do polissacárido, e cuja caracterização a um nível molecular revelou o seu mecanismo, o que nos colocou um pouco mais perto de tentar inibir o processo para assim fragilizar a parede destas micobactérias, tornando-a no seu ponto fraco», explica Nuno Empadinhas, investigador do CNC. Segundo o cientista, neste trabalho «foi decifrado o primeiro passo da linha de montagem do MMP, tendo sido caracterizada em detalhe a enzima responsável, uma metiltransferase absolutamente única».
A determinação, pela equipa do i3S/IBMC, da estrutura tridimensional desta metiltransferase pouco usual, em paralelo com a caracterização bioquímica no CNC, permitiu revelar com detalhe molecular o mecanismo do seu funcionamento, o que poderá ser fundamental para o futuro desenho de antibióticos de alta precisão. Usando uma combinação de técnicas biofísicas e simulações computacionais, a equipa do i3S/IBMC «estabeleceu um retrato molecular, com detalhe atómico, desta nova enzima, elucidando o seu modo de ação e as características químicas e estruturais que determinam a sua rara especificidade», explica Pedro Pereira, investigador principal do i3S/IBMC.
«Todos estes passos em sincronia foram determinantes, não só porque nos permitiram conhecer a um nível fundamental um pouco mais da fisiologia destas micobactérias ambientais, mas também porque fornecem plataformas eventualmente únicas para o desenvolvimento futuro de estratégias antimicobacterianas mais eficientes do que as que existem atualmente», acrescenta Nuno Empadinhas. «Este é um claro exemplo de como os esforços coordenados das várias equipas envolvidas alcançaram um resultado que dificilmente estaria acessível a qualquer delas individualmente: um mapa molecular único e detalhado deste importante processo biológico, que não só serve de ponto de partida para o nosso trabalho futuro nesta área como esperamos venha a facilitar futuramente o combate às infeções causadas por micobactérias atípicas», conclui Pedro Pereira.
O estudo foi maioritariamente financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, com outros apoios – nomeadamente, dos programas Norte2020 e Centro 2020.