“Muito mais é o que nos une. Que aquilo que nos separa”. A letra eternizada pelo pai do rock português, Rui Veloso, é um bom mote para descrever a crescente colaboração que a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) tem vindo a estabelecer com a Faculdade de Medicina Dentária (FMDUP). E se é verdade que rapidamente associamos a designação de “pontes” e “pilares” à engenharia, também na medicina dentária se lida com estruturas. “Uma coroa dentária é habitualmente construída em cerâmica recorrendo a um centro de maquinagem CNC, em tudo idêntico ao usado na criação de peças mecânicas. Em alguns casos, a mesma empresa comercializa equipamento para ambas as aplicações: os lasers e algumas ferramentas (como brocas e alicates) são igualmente usados na engenharia e na medicina dentária, para tarefas de corte, furação e manipulação”.
Mas as semelhanças não se ficam por aqui, como garante Joaquim Gabriel Mendes, do Departamento de Engenharia Mecânica da FEUP. O investigador colabora desde 2008 com Miguel Pais Clemente, médico dentista estudante de doutoramento, o que lhe permitiu trabalhar de perto com Manuel Amarante (FMUP) e com Afonso Pinhão Ferreira (FMDUP) em diversos projetos relacionados com a área da saúde. O primeiro projeto conjunto com Medicina Dentária surgiu em 2010 e foi um bom desafio para a equipa de Joaquim Gabriel: avaliar a postura e a posição da cabeça dos pianistas durante a execução de um trecho musical. A partir daqui nunca mais pararam de trabalhar em conjunto e em 2012 apresentaram um espetáculo musical na Casa da Música protagonizado pela violinista Ianina Khmelik.
“A investigação exige tempo e maturidade, o que só se consegue depois de alguma experiência de trabalho conjunto com os parceiros certos. Felizmente que a proximidade e as relações pessoais criadas com a FMUP, a FMDUP, a Universidade Fernando Pessoa, a CESPU, o IPO e a Ordem Médicos Dentistas contribuem decisivamente para abrir um leque de oportunidades de colaboração sem limites para a investigação. Em nenhum lado do mundo temos estas excelentes condições de proximidade geográfica e de abertura pessoal”, garante o investigador da Faculdade de Engenharia.
E se numa primeira fase foram os materiais a dominar esta relação, a verdade é que agora as atenções se viram para os dispositivos médicos. Está já em curso o primeiro projeto de desenvolvimento de um dispositivo intraoral – SIMPLIFIED – apoiado por fundos do Portugal 2020. O grande objetivo é conseguir criar um protótipo nos próximos 3-5 anos, como tiveram oportunidade de revelar muito recentemente ao Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Orlando Monteiro da Silva, que esteve de visita à FEUP onde teve oportunidade de conhecer o Laboratório de Automação.
Na opinião do Bastonário, o trabalho desenvolvido até agora permite antever um futuro bastante promissor para o avanço tecnológico da medicina dentária: “Os médicos dentistas são uma classe atenta à inovação tecnológica e a profissão está a evoluir nesse sentido, assistindo-se já à criação de materiais inovadores e ao aperfeiçoamento de técnicas terapêuticas. Antevejo um futuro promissor para esta parceria entre engenheiros, médicos dentistas e outros profissionais e estamos disponíveis para cooperar institucionalmente com a FEUP e com todos os projetos que tragam novos inputs para a medicina dentária e para a melhoria dos cuidados prestados às populações”.
Para Joaquim Gabriel Mendes, há ainda um longo caminho pela frente no que toca à inovação nesta área, um pouco a reboque do que está a acontecer neste momento no ramo da engenharia: o desenvolvimento exponencial da impressão 3D e da realidade virtual. “A capacidade de produzir peças em diferentes materiais, incluindo metálicos com formas muito complexas, de forma rápida e precisa, passa a ser possível através do uso de equipamentos com capacidade de sintetização de pós metálicos. Mesmo as impressoras de baixo custo podem ser usadas na criação de modelos anatómicos para ajudarem o médico a visualizar melhor a situação, planear o tratamento e, na sua interação com o doente”. No campo da realidade mista, todas as tecnologias virtuais combinadas com dispositivos reais “constituem uma poderosa ferramenta de treino das várias técnicas e da destreza manual no controlo fino do movimento, permitindo simular diferentes patologias, completando o trabalho tradicional em bancada e com pacientes reais”.
No que depender desta equipa multidisciplinar há vontade de continuar a investigar e de evoluir, embora tendo consciência das limitações que são muitas (desde logo devido aos múltiplos projetos em que as equipas estão envolvidas): “mas temos ao mesmo tempo de manter aberta a ambição que nos fez chegar às Índias e que nos continuará a distinguir dos restantes povos”, remata o investigador da Faculdade de Engenharia.