Estudo publicado na prestigiada revista “The Lancet”, no qual participa o ISPUP, concluiu que os dados europeus sobre nados-mortos têm sido subestimados em, pelo menos, um terço. (Foto: DR)

Um estudo publicado na “The Lancet”, no qual o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) participa, revelou que os dados europeus sobre nados-mortos têm sido subestimados em, pelo menos, um terço, uma vez que as estatísticas europeias só contabilizam os nados-mortos a partir das 28 semanas, que é o limite gestacional da Organização Mundial de Saúde (OMS).

A investigação, designada Quantifying the burden of stillbirths before 28 weeks of completed gestational age in high-income countries: a population-based study of 19 European countries, e que envolveu 2,5 milhões de bebés em 19 países europeus, sublinha a importância de se reportar as mortes fetais que ocorrem desde as 22 semanas de gestação, de forma consistente e precisa, para que o número de nados-mortos possa ser melhor estimado, assim como o seu impacto nas famílias e na demografia social.

Segundo Lucy Smith, da Universidade de Leicester, Reino Unido, que liderou o estudo, “existem grandes e sérias lacunas no nosso conhecimento sobre o número de nados-mortos, o que acarretará impactos imprevisíveis nas famílias”. Segundo a investigadora, “para uma mãe e um pai, um nado-morto no segundo trimestre de gestação não pode ser considerado menos problemático do que um nado-morto de 28 semanas de gestação ou com uma idade gestacional superior. Estes pais merecem que seja reconhecida a sua perda e que seja reportada informação precisa sobre a morte fetal, de forma a melhorar os cuidados prestados e as políticas de saúde”.

Como acrescenta Henrique Barros, Presidente do ISPUP, responsável pela recolha de dados portugueses e um dos coautores do estudo, “hoje em dia, se o feto nascer com 26, 27 ou 28 semanas é prematuro, mas pode sobreviver. Se apenas contabilizarmos, para comparação, os nados-mortos a partir das 28 semanas, como faz a OMS, estamos a retirar à realidade dos acontecimentos um número razoável de gravidezes que, ao não contarem para as estatísticas, não são valorizados na compreensão dos fenómenos de saúde perinatal ou no sucesso das medidas preventivas”.

O estudo analisou, desde as 22 semanas de gestação, o número de nados-mortos em 19 países europeus, tendo em conta três períodos diferentes: 2004, 2010 e 2015. Segundo a investigação, em 2015, em cerca de 2,5 milhões de nascimentos na Europa, mais de nove mil bebés eram nados-mortos. Contudo, desses nove mil, 6.294 foram mortes que ocorreram entre as 22 e 28 semanas de gestação.

De sublinhar ainda que existem diferenças na idade gestacional mimite entre os países europeus, como é o caso de Portugal, cujo limiar se fixa nas 24 semanas gestacionais.

“Em Portugal, só contamos objetivamente os nascimentos e as mortes a partir das 24 semanas. Portanto, alguém que nasça às 23 semanas, se sobreviver conta como um sucesso, mas se morrer não conta como um insucesso”, afirma Henrique Barros.

Segundo o trabalho, em Portugal, entre as 22 e 24 semanas de gestação, há registo de 16 nados-mortos em 2004, 19 em 2010 e 36 em 2015.

Já entre as 24 e 28 semanas gestacionais, em Portugal, os dados analisados pelo grupo de trabalho dão conta de 377 nados-mortos em 2004, 307 em 2010 e 254 em 2015, números que também não entram para as estatísticas comparativas europeias.

Para o Presidente do ISPUP, o artigo publicado na “The Lancet”, pode contribuir para mudar o limiar de registo da OMS. Importa que os sistemas, a análise e a recolha de informação não permaneçam estáticos e que acompanhem os avanços que os cuidados de saúde permitem fazer.

No estudo, para além do ISPUP, participaram também o Inserm (Institut National de la Santé el de la Recherche Médicale), o Department of Health Sciences, University of Leicester e o Department of Epidemiology and Biostatistics, National Research Institute of Mother and Child, de Varsóvia.