Uma viagem no tempo ao encontro dos primórdios da Ciência moderna em Portugal. A partir do próximo dia 6 de abril, terça-feira, é essa a fórmula que  vai poder ser experimentada no renovado Laboratório Ferreira da Silva, um espaço histórico na prática e do ensino da Química em Portugal, que a Universidade do Porto se prepara para reabrir à população no Polo Central (Reitoria) do seu Museu de História Natural e da Ciência (MHNC-UP), com entrada livre e gratuita.

No ano em que comemora 110 anos de existência, é então com o requinte e esplendor do estilo Art Déco de inícios do século XX que a U.Porto devolve à cidade o Laboratório nascido em 1910 e onde muitas gerações de estudantes aprenderam com António Ferreira da Silva, antigo professor e diretor da Faculdade de Ciências (FCUP), considerado o “pai” da Toxicologia Forense no nosso país.

O início da toxicologia forense em Portugal

A história do Laboratório Ferreira da Silva remonta a finais do século XIX (1882) quando o então o professor de Química da Academia Politécnica (antecessora da U.Porto), membro da Sociedade de Química de Paris e colaborador da Câmara Municipal do Porto (CMP) para o abastecimento de água à cidade é chamado a criar o primeiro Laboratório Químico Municipal. Pensado à imagem do seu congénere parisiense, este serviria para fiscalizar as condições da higiene pública e prevenir fraudes alimentares, vindo também a realizar análises toxicológicas do foro médico-legal.

Enquanto Diretor do Laboratório Químico Municipal e do Laboratório Químico da Academia, Ferreira da Silva implementou métodos inovadores nas áreas da química dos alimentos e da química forense. Um dos casos mais célebres foi o polémico “Crime da Rua das Flores “, que levou ao julgamento e condenação, em 1893, de Urbino de Freitas, um clínico portuense, lente da Escola Médico-Cirúrgica, acusado do envenenamento de um sobrinho de sua mulher.

Os trabalhos toxicológicos relacionados com o caso – e que tiveram um forte peso no desfecho do processo – levaram à realização de ensaios que representaram um notável avanço na Química Forense e Toxicologia da época. O relatório elaborado por Ferreira da Silva tornou-se uma referência de estudo e o Laboratório que dirigia continuou a ser requisitado para peritagem de casos médico-legais.

O Laboratório Ferreira da Silva

Após 23 anos de existência, o Laboratório Municipal fechou, em 1907, ao mesmo tempo que o Laboratório Químico da Academia Politécnica, além do ensino e da investigação, reforçava a prestação de serviços à comunidade. Um caminho que culminaria em 1910, com a criação do laboratório de Química Analítica da Academia Politécnica, mais tarde integrado na Faculdade de Ciências da U.Porto (FCUP) aquando da criação desta, em 1911.

O Laboratório seria rebatizado com o nome de Ferreira da Silva em 1922, um ano antes da morte do químico portuense, cuja biografia foi editada em 2013, pela U.Porto Press.

Com a demolição do edifício do Laboratório Municipal, para dar lugar à Avenida dos Aliados, o acervo de aparelhos, utensílios e a biblioteca são confiados à FCUP e passam também a integrar o Laboratório.

O laboratório de Química Analítica da Academia Politécnica abriu em 1910 e assumiu o nome de Ferreira da Silva em 1922. (Foto: U.Porto)

No “novo” Laboratório Ferreira da Silva será possível ver de perto alguns desses objetos, nomeadamente a caixa de alcaloides usada por Ferreira da Silva para a investigação de casos como o de Urbino de Freitas, a balança analítica de precisão e o imponente alambique, utilizado para obter água destilada.

No total, vão estar em exposição cerca de 80 objetos, nomeadamente instrumentos científicos, frascos com produtos químicos, amostras minerais, utensílios de laboratório, livros e mobiliário.

Situado no Edifício Histórico da U.Porto, com entrada pela fachada sul (à Cordoaria), o Laboratório Ferreira da Silva estará aberto de terça a sexta-feira, das 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00, com a última entrada às 17h30. Sábados, domingos e feriados o horário será das 10h00 às 13h00. A lotação máxima será de 10 pessoas.

Quem não puder visitar o espaço pessoalmente, poderá fazê-lo, de forma virtual, aqui.

O “novo” Laboratório reúne dezenas de objetos que ajudam a “escrever” a história da prática e do ensino da Química em Portugal. (Foto: U.Porto)

Um espaço para celebrar a Ciência

Com a recuperação e abertura ao público do Laboratório Ferreira da Silva, a U.Porto pretende que este “seja um espaço vivo, como devem ser todos os espaços museológicos do século XXI”, afirma Fátima Vieira, a Vice-Reitora para a área da Cultura. Daí que esteja já prevista uma programação que inclui atividades promovidas pelo Serviço Educativo do MHNC-UP e eventos dirigidos ao público adulto.

“Queremos recuperar a ideia dos Saraus Científicos do século XIX, utilizando o Laboratório como plataforma para a revelação e discussão de descobertas científicas recentes”, acrescenta a também diretora do MHNC-UP

A inauguração do Laboratório Ferreira da Silva permitirá igualmente lançar um roteiro patrimonial: um convite à descoberta da história da Química ao longo de 300 anos, em apenas 300 quilómetros. A viagem começa na Universidade de Coimbra (último quartel do séc. XVIII), passa pela Universidade de Lisboa (finais do séc. XIX) e termina na Universidade do Porto (início do séc. XX).

A requalificação do Laboratório Ferreira da Silva foi uma das ações realizadas no âmbito da operação NORTE-04-2114-FEDER-000004 – MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL E DA CIÊNCIA – O renascer de uma histórica infraestrutura de promoção da cultura científica e tecnológica da Região Norte.

Esta operação, com o objetivo fundamental de promover a requalificação de espaços e enriquecimento de coleções e equipamentos expositivos do MHNC-UP, foi cofinanciada pelo NORTE 2020 através do Portugal 2020 e do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, com um investimento global aprovado de 2. 220 870,35 milhões de euros e um apoio de 1.887 739,79 milhões de euros.

A Farmacêutica BIAL foi mecenas do Laboratório Ferreira da Silva.