Uma equipa internacional e multidisciplinar liderada por investigadores do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S) acaba de publicar na revista Nature Communications, um estudo em que conclui que a (pouca) diversidade genética da bactéria que causa a tuberculose poderá influenciar o grau de gravidade – ligeira, moderada ou severa – com que a doença se manifesta.

Em traços muito gerais, os investigadores concluíram que a bactéria Mycobacterium tuberculosis, presente em doentes com formas de tuberculose mais severas, consegue «escapar» à vigilância dos macrófagos que são os primeiros a alertar o organismo da presença de um agente infecioso. Ou seja, a resposta imunológica inicial não funciona no seu potencial máximo, o que pode explicar o subsequente desenvolvimento de tuberculoses mais severas.

Margarida Saraiva, líder do grupo de investigação “Immune Regulation” do i3S, e que esteve à frente desta equipa de investigação, sublinha a resiliência deste trabalho: “Este artigo é o resultado de sete anos de trabalho de investigação. Inclui três doutoramentos e mais de cinco mestrados e foi desenvolvido por uma equipa multidisciplinar, que inclui biólogos, bioinformáticos, microbiologistas, geneticistas e clínicos, o que nos permitiu abordar o tema de uma forma complexa e holística”.

O caminho para uma nova vacina?

O foco do estudo centrou-se na – bastante limitada – diversidade genética da bactéria Mycobacterium tuberculosis, cuja relevância funcional foi durante muito tempo subvalorzada do ponto de vista científico. O que os investigadores do i3S vêm agora demonstrar é que isso não é verdade…

Para chegar a esta conclusão, a equipa começou por analisar 813 doentes com tuberculose do Hospital de S. João. Estes foram divididos de acordo com três manifestações clínicas: tuberculose ligeira, moderada e diversa. Os investigadores decidiram depois focar-se apenas nos que tiveram tuberculose sem outras doenças associadas, o que reduziu o grupo de estudo a 190. Analisaram geneticamente as bactérias destes indivíduos e verificaram que apesar das diferenças serem pequenas, as mutações existiam.

Após isso, explica Margarida Saraiva, “em laboratório, infetámos macrófagos de indivíduos saudáveis com bactérias dos três tipos clínicos de tuberculose e verificámos que os macrófagos (a primeira «arma» do sistema imunitário no combate a uma infeção) de um mesmo indivíduo têm respostas diferentes consoante a bactéria causou uma tuberculose mais grave ou menos grave”.

“O que nós descobrimos é que diferentes Mycobacterium tuberculosis, mesmo que geneticamente muito semelhantes, diferem na sua capacidade de estimular os macrófagos. Em particular, as bactérias isoladas de doentes com formas severas de tuberculose apresentam a capacidade de «escapar» aos mecanismos que os macrófagos possuem para alertar o organismo da presença de um agente infeccioso”, acrescenta a investigadora.

Esta descoberta representa por isso um enorme avanço para a investigação na área da tuberculose, pois “mostra que não podemos desprezar o papel bactérias quando fazemos testes em modelos animais. Este conhecimento deve agora ser incorporado em toda a investigação laboratorial”.

Para além de mudar certamente o rumo da investigação em tuberculose,  o estudo agora revelado pode também ser um ponto de viragem rumo ao desenvolvimento de uma potencial vacina. Afinal, e como sublinha Margarida Saraiva, “quando falamos em vacinação, temos também de ter em conta essa variedade genética da bactéria que causa a tuberculose”.