Quando, em 2007, se licenciou em Ciências do Meio Aquático, no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), dificilmente José Gomes imaginaria que, mais de uma década depois, seria o responsável pelo treino de várias espécies de animais no Jardim Zoológico de Melbourne, na Austrália. E muito menos acreditaria que seria o rosto de um canal no YouTube, chamado “Train Me Please”, que está prestes a atingir um milhão de visualizações. Mas foi isso mesmo que aconteceu…

E para contar a história, recuamos até ao dia em que o então estudante do Mestrado em Ciências do Mar do ICBAS – que concluiu em 2009 – se cruzou, “por acaso”, com algumas informações sobre treino de cães. Daí até pôr em prática o que aprendia nos livros em cães de amigos e familiares foi um pequeno passo. “Desde então, nunca mais parei de treinar animais”, conta o jovem natural de Barcelos, e um defensor de um treino assente em métodos de reforço positivo, que não envolva intimidação e castigo físico.

Aos estudos no ICBAS seguiu-se uma passagem pelo Zoomarine, em Albufeira, como treinador de mamíferos marinhos. Esta experiência daria a José as bases que aplica atualmente no treino de cães e gatos. Acabou por deixar o parque aquático para se aventurar num novo mestrado, à boleia de uma Bolsa Fullbright, que o levou até à University of Southern Mississippi para estudar Psicologia.

José Gomes voltou a Portugal no verão de 2013, para partir de novo, passados dois meses, desta vez para a Cidade do Cabo, na África do Sul. “Tinha uma amiga recém-licenciada em Cinema e um amigo a precisar de ajuda com a cadela dele que não andava muito bem à trela. Tendo eu experiência a treinar animais, decidimos fazer uma série de 12 episódios sobre como ensinar os cães a andar à trela sem puxar”, recorda.

Foi assim que nasceu o canal de Youtube “Train Me Please”, também página do Facebook e, mais tarde, o nome que deu à sua empresa registada na Austrália, país para onde se mudou em 2015. No canal, que cresce desde então, José  partilha vídeos com tutoriais de como treinar diferentes espécies animais, tendo sempre em vista melhorar a relação entre os animais e os seus cuidadores.

José é especialista no treino de cães e de gatos. (Foto: DR)

A viver em Melbourne há cinco anos, José é, desde 2016, animal keeper no Zoo daquela cidade, onde coordena o programa de treino de uma grande variedade de mamíferos, aves, peixes e invertebrados. “É um Zoo muito moderno e a fazer um trabalho fantástico no combate à extinção”, revela o alunus do ICBAS.

E se o futuro promete trazer novas aventuras ao horizonte de José, por estes dias, o mais certo é encontrá-lo a trabalhar ou a passear na sua “fabulosa” Melbourne. “É uma cidade grande, muito desenvolvida e que oferece uma excelente qualidade de vida. A comida é excelente, muito variada e com influências de todo o mundo (sobretudo europeia e asiática)”. E como se não bastasse, “o café aqui também é dos melhores do mundo”, apresenta. Fica o convite…

– Como surgiu a oportunidade de ir para Melbourne?

A minha parceira (agora esposa) recebeu uma excelente oportunidade de trabalho na área de investigação em Melbourne. Na altura vivíamos na Cidade do Cabo, na África do Sul. Como já tínhamos passado alguns tempos em Melbourne e como nos apercebemos que era uma cidade muito desenvolvida e com excelente qualidade de vida decidimos aceitar essa aventura. Foi uma decisão difícil porque na altura o plano era voltar para Portugal. Uma vez em Melbourne tive a sorte de conseguir encontrar emprego na minha área de forma relativamente rápida.


– De que forma a Universidade do Porto teve impacto neste processo?
Foi na Universidade do Porto que alguns professores começaram a alimentar a ideia de que passar uns tempos no estrangeiro seria excelente para a nossa carreira. Até essa altura eu não tinha qualquer intenção de sair de Portugal. A primeira vez que saí de Portugal foi para ir fazer o meu segundo Mestrado (Psicologia Experimental) na University of Southern Mississippi.

– O que o motivou a ir para fora?
A primeira vez que saí do país foi para os Estados Unidos para estudar. Na altura estava empregado no Zoomarine e estava a gostar bastante do meu emprego e da equipa com quem trabalhava. Ao mesmo tempo tinha curiosidade em aprender mais sobre comportamento animal e modificação comportamental. Tinha imensas questões experimentais e curiosidade de explorar esses temas do ponto de vista académico. Foi por esse motivo que comecei a considerar a possibilidade de voltar a estudar. Hoje em dia, não sei se voltaria a fazê-lo. Passar do mundo aplicado e prático para o mundo académico como estudante e no estado do Mississippi não foi propriamente fácil. Em retrospetiva, fico contente de o ter feito, mas também fico contente de essa fase já estar concluída.

– Há quanto tempo está fora de Portugal?
Oito anos. Fui para os Estados Unidos em 2012, para a África do Sul em 2013 e vim para a Austrália em 2015.

– Como foi a adaptação?
A primeira mudança para os Estados Unidos foi complicada. As outras mudanças de país que vieram depois dessa foram mais fáceis. A adaptação a Melbourne foi muito simples. As pessoas são simpáticas, a cidade oferece imensas coisas para fazer e tenho também muitos amigos portugueses com que me encontro frequentemente.

– O que mais gosta em Melbourne? E menos?
O ponto mais forte de viver aqui é a qualidade de vida e o conforto que uma pessoa normal da classe média consegue ter. Os salários são altos e isso permite muita flexibilidade no dia-a-dia. Também há um melhor balanço da vida profissional com a vida pessoal. Muitas pessoas até optam por trabalhar apenas em part-time. Melbourne é uma cidade fantástica do ponto de vista desportivo, cultural e social. O café é excelente e para quem gostar de comida asiática Melbourne está muito bem servido. O que menos gosto é de estar longe dos meus pais e do meu irmão. Também não gosto dos Invernos em Melbourne. A Austrália tem imensos locais que se mantêm quentes durante o Inverno, mas Melbourne não é um deles.

– Um conselho para quem visita Melbourne?
Visitar o Wilsons Promontory National Park. Ou então, num plano alternativo para quem gostar de desporto, vir cá na altura do Grande Prémio de Fórmula 1 ou do Open da Austrália.

– De que sente mais falta? Pensa voltar para Portugal?
Sinto falta de estar perto dos meus pais e do meu irmão. Muita gente tem saudades da culinária portuguesa, mas eu confesso que apenas sinto falta do pão português. Gostava muito que fosse possível voltar para Portugal. Infelizmente, temo que na minha área as oportunidades profissionais sejam um pouco limitadas. Estou a torcer para que Portugal continue a evoluir no sentido de oferecer uma vida mais confortável aos seus cidadãos.