É um dos figurantes mais requisitados do momento em Hollywood… é português e é antigo estudante da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). Para saberem como é que Alfredo Tavares foi parar ao mundo da sétima arte, é preciso explicar que o bichinho da representação era um sonho antigo, adormecido, que entretanto despertou com as reviravoltas da vida.

Mas comecemos pelo início. Alfredo Tavares nasceu em Aveiro há 46 anos e tem uma história de vida surpreendente, digna de um filme. Ficou orfão de mãe muito cedo e como a família paterna era do Porto, acabaram por se mudar para esta cidade. Já em pequeno gostava de assistir a filmes na televisão e, inspirado pelos filmes do Bruce Lee, Chuck Norris e Jean-Claude Van Damme, tornou-se cinturão negro em Karaté e em Kickboxing. Uma competência que certamente o ajuda atualmente a conseguir os seus papéis no cinema. É o caso de Velocidade Furiosa 9, que ainda está em produção e onde Alfredo Tavares fez de duplo de John Cena.

Mas voltemos à engenharia. Depois de ter concluído o 12.º ano como Técnico Profissional de Eletrónica, Automação e Computadores na Escola Secundária de Fontes Pereira de Melo, Alfredo Tavares integrou, em 1994, aquela que considera ser “a melhor faculdade de engenharia de Portugal, a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto”. Foi ali que concluiu, em 1999, a licenciatura em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores.

Aos 23 anos, partiu para França em busca de uma vida melhor, país onde viveu grande parte da sua vida adulta. Exerceu engenharia em Paris, na Siemens, durante 17 anos. Apaixonou-se, casou, teve dois filhos, Alexandre e Nicolas, divorciou-se e, saturado do trabalho, decidiu mudar de vida e abraçar a carreira da representação. Hoje, não tem dúvidas que foi “a melhor escolha” de toda a sua vida.

Alfredo Tavares começou a estudar à noite numa das escolas de representação mais reputadas de França, a “Cours Florent”. Mas a ambição não tinha fronteiras. A mesma que, em 2017, o levou a mudar-se para Los Angeles, nos Estados Unidos da América, com o sonho de ser famoso. E desde 2018 que coleciona filmes. Um dos primeiros grandes projetos que fez foi Era Uma Vez em… Hollywood, de Quentin Tarantino, realizador que teve o privilégio de conhecer durante as gravações da produção e que elege como aquele com quem mais gostou de trabalhar.

Ao todo, Alfredo Tavares já participou em mais de meia centena de filmes e séries, programas e curtas-metragens. Vários deles foram grandes produções, como Le Mans ‘66: O Duelo, Big Little Lies, Veep, Station 19, Virgem Jane, Unbelievable, The Great, I May Destroy You e Black-ish.

O Caminho de Volta, filme protagonizado por Ben Affleck, o recente Festival Eurovisão da Canção: A História dos Fire Saga, de Will Ferrell e Rachel McAdams, ou o programa de experiências sociais da Netflix 100 Humans, foram outros dos projetos em que entrou. Em Grand Hotel, fez de jogador de basebol e teve a oportunidade de conhecer Eva Longoria. Participou também na série Investigação Criminal: Los Angeles, onde contracenou com a conterrânea Daniela Ruah, precisamente no episódio onde a personagem vivida pela atriz portuguesa se casa. Podemos ver Alfredo Tavares a dançar alegremente a poucos metros dos atores principais…

Em The Crown, a popular série transmitida na Netflix, é o motorista de Margaret Thatcher na quarta temporada da série. Vai ainda participar numa produção televisiva western chamada The Nevers. Monstros Fantásticos, o spinoff da saga de “Harry Potter”, é o próximo grande projeto de Alfredo…

Mas Portugal continua no coração do ator engenheiro. Em agosto, como bom emigrante, Alfredo Tavares vem a Portugal passar férias. Fica a dormir em Aveiro, na casa da irmã, e passa sobretudo os dias no Porto. Não esconde as saudades de Portugal. Mas não é para já. Um dia, sonha regressar a casa como um grande ator…

– Como surgiu a oportunidade de ir para fora?

Morei em Aveiro até aos dez anos de idade e tive uma infância muito pobre. Mudei-me para o Porto e tive a oportunidade de começar a ver filmes na televisão. Adorava os filmes do Bruce Lee, do Chuck Norris, do Jean-Claude Van Damme e queria ser como eles, ator de cinema. Depois fui para uma escola e formei-me cinturão negro  em karaté e kickboxing em. Mas em Portugal não tinha condições, era uma pessoa muito pobre, não tinha mãe e o meu pai também me tinha um pouco abandonado… Não tinha possibilidades de pagar uma escola de acting nos Estados Unidos. Depois de ter concluído o meu curso na FEUP, mudei-me para França para ter uma vida melhor e bati à porta da Siemens…

– Como surgiu a decisão mudar de carreira e de vida e dedicar-se à representação?

Segui o impulso de recuperar o meu sonho antigo de ser ator. Depois de tantos anos na Siemens, tinha dinheiro guardado de parte e comecei a estudar à noite numa das escolas de representação mais reputadas de França, a “Cours Florent”. Fui aceite depois de interpretar um monólogo “A Streetcar Named Desire” com o qual Marlon Brando se tornou famoso. Estive lá de 2013 a 2016. Nesse último ano, separei-me definitivamente da minha mulher e mudei-me  para Los Angeles, nos EUA. Como tinha dinheiro de lado e em França o cinema é fraco, fui tentar realizar o meu antigo sonho, como o de todos os atores, ir para Hollywood e ser conhecido mundialmente. O meu sonho era ser famoso. Então mandei o meu currículo para a melhor escola de “acting” do mundo, a “New York Film Academy”, em Los Angeles e perguntaram-me se eu podia ir lá fazer uma audição. Então levei um monólogo de Hannibal Lecter, que Anthony Hopkins tinha interpretado em “ O Silênçio dos Inocentes”. O júri adorou, disseram-me que tiveram medo: “Pensámos que alguém estava dentro de você e tivemos medo”. E como eles viram que eu já era diplomado em França, passaram-me diretamente para o último ano da faculdade. Só estive lá um ano com eles e colocaram-me logo numa agência em Los Angeles chamada “Central Casting”, que é onde os grandes produtores, realizadores e diretores de casting dos filmes e séries de televisão, das grandes produções, vão buscar os figurantes.

– Há quanto tempo está fora de Portugal?

Depois de ter concluído o meu curso na FEUP em 1999, mas todos os anos em agosto vou a Portugal passar férias, para ver a minha família, que estão entre o Porto e Aveiro.

– Como foi a adaptação, primeiro em França e depois em Hollywood?

A adaptação em França foi rápida, porque é um país da Europa. Fui com o meu diploma de engenheiro, aprendi a escrever e a falar francês em um ano sozinho. Apaixonei-me e casei-me com a mãe dos meus filhos, que era minha vizinha no Porto.

A adaptação em Hollywood foi mais difícil no princípio, porque é completamente diferente da Europa, outro continente, mas com muitas mais oportunidades. Fui sem nada e tive que começar tudo do zero (Língua, diploma, trabalho, visto, leis, cultura, carta de condução, número de segurança social, banco, sem família, sem amigos e muita concorrência na indústria do cinema). Mas como era o meu sonho desde criança, esqueci todos os obstáculos da vida e adaptei-me rápido. Sou feliz e para mim Los Angeles é o melhor lugar na terra para viver.

– O que faz agora em Hollywood?

Sou ator de cinema e modelo. Como só estou há dois anos a trabalhar como ator profissional em Hollywood, é normal que a maior parte dos meus papéis seja como figurante nos filmes e séries de televisão. Mas já fui ator principal em alguns filmes e séries de televisão e já substitui atores famosos (Vin Diesel e Kurt Russell)  em grandes produções como “Stand-in” e “Duplo”, porque eles estavam doentes ou tinham que estar presentes noutros filmes. Podem ver tudo o que fiz, no portal mundial de referência IMDB: Afredo Tavares.

– Já teve oportunidade de conviver com alguns nomes do grande cinema americano e que fazem parte do imaginário de todos nós. Conte-nos um pouco dessas vivências…

Já estive no mesmo filme a trabalhar com atores famosos (como ator principal, stand-in, double ou figurante): Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Al Pacino, Vin Diesel, Johnny Depp, Matt Damon, Christian Bale, Jennifer Aniston, Nicole Kidman, Reese Witherspoon, Charlize Theron, Michelle Rodriguez, Kurt Russell, Ben Affleck, Tom Hardy, Robert Pattinson, Collin Farell, Luke Perry, Margot Robbie, Dakota Fanning, Penélope Cruz, Daniela Ruah, Kate Beckinsale, Shemar Moore, Zoe Kravitz, Linda Hunt, Vondie Curtis-Hall, Viola Davis… Mas nunca trabalhei com o Jean-Claude Van Damme ou com o Chuck Norris, que me motivaram a ser cinturão negro no Karaté e Kickboxing. Um dia, espero eu…

Com produtores, realizadores e diretores famosos diretamente : Quentin Tarantino, Matt Reeves, Andy Serkis, Justin Lin, Eva Longoria …

Mas aquele com quem mais adorei trabalhar, foi com o Quentin Tarantino. Homem alto e simples, sapatilhas, t-shirt , jeans. Sempre a sorrir. Ele senta-se a comer com os figurantes e fala com eles, o que é muito raro para um dos produtores/realizadores mais famosos do mundo. Quentin Tarantino foi buscar-me à agência “Central Casting” em Los Angeles, para substituir Kurt Russell como “Duplo” no filme “Once Upon a Time in Hollywood”, para ele descansar e quando não se via a cara dele. Antes de começar a filmar, Quentin Tarantino perguntava-me: “Alfredo, hoje quero que estejas em forma. Diz-me o que mais gostas de comer para te dar energia?” (Eu nunca fumei, nunca bebi álcool, nunca tomei café na minha vida, só como biológico e faço desporto todos os dias). Sei que não existe bio nos estúdios. Então por uma vez exagerei e dei-me ao prazer. Então respondi ao Tarantino “Pizza, Big Mac e um gelado”. Ele foi chamar a assistente dele e ela a cada dia que eu trabalhava, ia-me comprar precisamente isso. Para mim o melhor realizador do mundo, é James Cameron. Espero um dia trabalhar com ele.

– Próximos projetos (filmes e personagens) e um sonho para realizar?

Atualmente: The Batman, Venon, Velocidade Furiosa, Monstros Fantásticos, The Nevers, The Crown… Ano que vem, por agora: Star Wars, Jurassic World, X-Men …(Muitos filmes usam códigos, e não o verdadeiro nome do filme, para o ator não o divulgar nas redes sociais. Muitas vezes só se sabe o verdadeiro nome, no primeiro dia de filmagem

O meu grande sonho é ser o ator principal numa grande produção, ganhar prémios e mais tarde, claro, como qualquer ator, receber um óscar e mostrar ao mundo inteiro, que tenho sangue Português.

Alfredo Tavares é o motorista de Margaret Thatcher em “The Crown”. (Foto: DR)

– O que gosta mais? E menos? (a nível profissional em Hollywood)

O que mais gosto, como todo o ator, é de trabalhar com atores, produtores, realizadores, diretores famosos em grandes produções. Viajar para diferentes cidades e países e conhecer novas culturas, paisagens. Tudo é gigantesco nos filmes de Hollywood. Produções que  gastam entre 100 a 250 milhões de dólares para realizar um filme, cuja gravação dura entre 6 meses a  1 ano.. . Alugar um aeroporto, só para fazer uma cena…Construir um prédio ou casas, só para as utilizar durante uma semana e depois destruí-las… Filmar num deserto e depois transformá-lo numa praia ou montanha gelada, graças ao “editing”… Poder usar entre 300 a 500 figurantes num filme… Transformar um ator completamente  em outra pessoa, graças à maquilhagem… Três ou quatro câmaras no mesmo ângulo… Utilizar gruas enormes para a iluminação… Comprar carros novos e destruí-los só para fazer uma cena… Trabalhar em diferentes lugares (praia, montanhas, estádios, deserto, lagos…)…  Trabalhar com 7 atores famosos ao mesmo tempo, como eu trabalhei no “Once Upon a Time in Hollywood”  de Tarantino…

O que menos gosto: longas horas de trabalho (10 a 12 horas). Estar no exterior, no frio e com pouca roupa, no inverno. Trabalhar à chuva ou eles colocarem “falsa” chuva em abundância, quando está frio. Ficar imobilizado durante longos minutos no chão sujo ou com sangue “falso” por  todo o corpo. Usar perucas, roupas ou sapatos que te aleijam ou que não são confortáveis. Suportar a dor. Medo de me aleijar, quando se faz acrobacias. Repetir a mesma cena 5, 10 vezes…

– E a nível pessoal…?

O que mais gosto: Todo o tipo de comida “à farta”, de manhã até à noite. Dormir, jogar, ver televisão entre duas cenas. Ter uma caravana privada com tudo à disposição  (televisão, frigorífico, sofá, duche…). Quando acabamos uma cena, três, quatro pessoas ocupam-se de ti (cabelo, maquilhagem, roupa e oferecem-te comida e  bebida). Fazer  novos amigos e novas amigas (muitos deles modelos). Tudo pago (viagem, hotel, comida, horas extras…). Virem buscar-te e levar -te a casa depois do trabalho, com motorista privado num carro de luxo. Bom salário. Que a minha família e os meus amigos me possam ver na televisão …

– De que sente mais falta? Pensa voltar a Portugal?

Sinto falta da minha família que está toda em Portugal (Porto e  Aveiro) e  dos meus dois filhos (Alexandre e Nicolas) que moram em Paris com a mãe.

Saí de Portugal para ter uma vida melhor. Adorava trabalhar no país em que nasci, nas minhas raízes. Se um dia tiver uma proposta de um produtor ou realizador português para trabalhar num filme ou série de televisão, seria uma honra voltar e trabalhar em Portugal, mas claro que seria temporário.

– Um conselho para quem quer mudar de carreira?

Nada é impossível! Se tens as ferramentas, utiliza-as. Pode  demorar tempo, mas com motivação e determinação, conseguirás o teu objetivo e realizar o teu sonho. Não ouças as pessoas negativas e afasta-te delas. Não precisas delas. Elas são uma doença para ti impedem-te  de avançar.

Se não acreditas…acredita!  Só aquele que não faz nada, é que não consegue. Se os outros conseguem, tu também consegues! És um ser humano como eles. Podes perder uma batalha, mas não perdeste a guerra. Se caíste, levanta-te. É difícil vencer, quem nunca desiste. Se tu não vais à procura daquilo que tu queres, então nunca o terás.

Tens que agir como se soubesses a 100% o que estás a fazer. Nunca hesites. senão todos os teus esforços, não terão servido de nada.

O maior risco é o de não correr nenhum risco. Onde muitos não conseguem, é onde há mais oportunidades. Tens que ser paciente e depois terás o teu lugar.

Se trabalhares duro, o resultado final será o que tu querias realizar. Tem coragem de seguir o teu coração e a tua intuição.

Adoro a competição e detesto ficar em segundo lugar. Quero sempre ganhar e ser o número um.

As pessoas sempre disseram que eu nunca ia conseguir…  por isso nunca abandones o teu sonho.