Há mais de 20 anos que investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) viajam até ao CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), em Genebra, na Suíça, para realizar experiências científicas, naquele que é o maior laboratório de física de partículas do mundo.

Só no último ano, Armandina Lopes, investigadora no Instituto de Física dos Materiais Avançados, Nanotecnologia e Fotónica da U.Porto (IFIMUP), sediado na FCUP, liderou um grupo de investigação que por duas vezes foi ao CERN. E já estão a preparar o trabalho para 2023. O objetivo? Estudar novos materiais.

Com dois projetos a decorrer, os investigadores do IFIMUP estão a trabalhar com materiais com expansão térmica negativa (que contraem com o aumento da temperatura) e com materiais multiferróicos (multifunções e que permitem uma redução de custos).

Os primeiros podem ser aplicados, no futuro, por exemplo, a próteses dentárias, tecnologia ou indústria aeronáutica. Basicamente a objetos em que se pretenda evitar uma dilatação de volume.

Já os segundos podem ser utilizados para diminuir o consumo de eletricidade na gravação e leitura de dados, ao inverter o momento magnético de uma região de um material através da aplicação de um campo elétrico.

“Fazemos uma proposta e, se for aceite, é-nos dado um determinado tempo de feixe como uma ou duas semanas para podermos fazer as nossas experiências”, conta Armandina Lopes. Trata-se de uma espécie de banco de horas em que os cientistas podem aceder, neste caso, ao ISOLDE, uma infraestrutura que produz isótopos radioativos que vão ser fundamentais, por exemplo, para o estudo das propriedades locais dos materiais.

(Foto: DR)

A viagem dos materiais

“Trabalhamos na área da física fundamental. Tentamos entender o que está por detrás das propriedades dos materiais”, explica a investigadora. E, para este trabalho, estas viagens são muito importantes. Afinal, é um dos poucos locais do mundo onde é possível escolher um determinado isótopo de um elemento da tabela periódica.

Na FCUP, preparam as amostras de material a estudar ou levam materiais cedidos por outros investigadores que colaboram com a equipa. Vão na bagagem até ao ISOLDE onde são implantados isótopos radioativos de vida curta, que podem durar de alguns minutos a algumas horas.

“Estudamos uma amostra de material de cada vez e cada temperatura que medimos é com uma nova implantação de isótopos. Fazemos uma implantação, tiramos a amostra, fazemos um tratamento térmico, medimos, gravamos os dados e voltamos ao mesmo processo com outro isótopo ou material.” São os isótopos que vão permitir aos investigadores perceber como se comporta, por exemplo, um dado material a uma determinada temperatura e validar as simulações anteriormente feitas na FCUP.

Para Pedro Rodrigues, investigador do IFIMUP, recém-doutorado em Física pela FCUP, que já conta com várias viagens no currículo, as idas ao CERN são “fundamentais”. “No ISOLDE temos acesso a equipamento capaz de medir e de descodificar a informação derivada do decaimento destes isótopos”, explica.

(Foto: DR)

“Não podemos falhar”

E é para manusear estes equipamentos – mais concretamente quatro Espectrómetros de Correlação Angular Perturbada- que os cientistas fazem, quase como os enfermeiros, na semana em que estão no CERN, turnos para assegurar que todo o trabalho consegue ser realizado no tempo que lhes é dado. “Há um trabalho contínuo de 24 horas, divididas em dois turnos de 12”, conta Armandina.

Nos dois projetos em curso, estão envolvidos estudantes de licenciatura, de mestrado e de doutoramento da FCUP. “Para as dissertações de mestrado só temos, muitas vezes, aquela oportunidade e não podemos falhar”. De regresso à faculdade, a equipa também constituída pelos estudantes António Cesário, Pedro Sousa e André Miranda e pelos investigadores Neenu Lekshmi e Gonçalo Oliveira, trouxe nas malas uma espécie de disco rígido com as medições obtidas e é iniciada a análise e interpretação dos dados.

Para além dos benefícios da utilização de isótopos de vida curta, trabalhar neste laboratório traz outras vantagens. “Temos a oportunidade de interagir com investigadores altamente qualificados, oriundos de vários grupos de investigação e altamente motivados neste género de pesquisa científica”, salienta Pedro Rodrigues.

Os cientistas da FCUP lançam assim as bases para que, anos mais tarde, se possa chegar à produção concreta de materiais em muitas aplicações tecnológicas que usamos no dia a dia. Desta ciência fundamental beneficiam células fotovoltaicas, dispositivos médicos, componentes de computadores, entre outros. Mas antes de incorporar estes objetos, ainda há muitos quilómetros a percorrer na viagem dos novos materiais.