A desorganização ou rutura da barreira formada pelo tecido epitelial estão associados a inúmeras doenças, tais como as doenças inflamatórias do intestino ou a maior parte dos tumores malignos. Mas afinal quais são as causas diretas da quebra no tecido epitelial? Uma equipa de investigadores do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S) descobriu que este problema pode estar associado à perda de uma das funções da proteína aPKC.

Apesar desta proteína ser já bem conhecida da comunidade científica, os investigadores descobriram agora que a perda de aPKC desregula a força que as células exercem umas sobre as outras e que, força a mais, pode romper o tecido epitelial.

A coesão do tecido epitelial é essencial para a vida animal. Sem a capacidade de criar uma barreira à superfície dos nossos órgãos, formada por células fortemente unidas entre si, seria impossível separar os diferentes ambientes de um organismo (órgãos e glândulas, por exemplo) ou assegurar uma proteção do ambiente exterior. Ou seja, o tecido epitelial permitiu a evolução dos animais complexos, como as estrelas do mar, a mosca da fruta, ou o ser humano. Mas esta coesão do tecido epitelial pode ser posta em causa.

Recorrendo à optogenética, uma técnica que utiliza luz como um interruptor para desligar um gene em tempo real e verificar o efeito imediato, os investigadores conseguiram perceber que, no momento exato em que a proteína aPKC é silenciada, a força exercida pelas células aumenta muito.

“As células epiteliais começam imediatamente a contrair e em pouco minutos conseguimos observar como se formam grandes buracos entre células dentro do tecido epitelial. A quebra acontece inicialmente junto às células em divisão celular, que funcionam como um ponto fraco onde ocorre rompimento quando o tecido contrai», explica Mariana Osswald, primeira autora do artigo.

Recorrendo à optogenética, os investigadores conseguiram perceber o momento exato em que a proteína aPKC é silenciada e se formam grandes buracos entre células dentro do tecido epitelial

Um novo passo para a compreensão do cancro e de outras doenças

Com este trabalho, concretiza Eurico Morais de Sá, que liderou este estudo publicado recentemente na revista Current Biology, “não só descobrimos qual a função específica da aPKC que está na origem de um tipo de anomalia epitelial, como descobrimos que a quebra da barreira epitelial pode resultar da desregulação da força exercida pelas células. Trata-se de uma interpretação completamente nova da origem deste defeito epitelial, uma vez que a quebra da barreira epitelial é normalmente atribuída a morte celular ou a uma falha na ‘cola’ que une as diferentes células e não a um excesso de força”.

Neste esquema é possível perceber como o excesso de força exercido pelas células faz com que o tecido epitelial rompa

“Esta é uma descoberta de biologia fundamental e, por isso, o seu impacto maior é na nossa compreensão do funcionamento da vida animal. Mas é provável que tenha implicações a longo prazo na compreensão e tratamento de doenças”, sublinha Eurico Morais de Sá.

Por exemplo, adianta o investigador, “investigações anteriores já mostraram que a inflamação no colon reduz a atividade da proteína aPKC e que existe rompimento de tecidos nas doenças inflamatórias intestinais. Por isso, o nosso trabalho de investigação com a mosca da fruta sugere que terapias baseadas na regulação de aPKC (ou outras proteínas com função semelhante) poderão reduzir o impacto da inflamação no epitélio do intestino”.

Se aplicarmos estes conceitos ao cancro, e sabendo que a maioria dos tumores tem origem em tecido epitelial, “podemos dizer que a nossa descoberta permitiu identificar um mecanismo que produz o tipo de desorganização celular que é observado em alguns tumores malignos, o que pode representar um passo para o desenvolvimento de terapias que interfiram com a desorganização epitelial e travem a progressão da doença”.

Este trabalho foi desenvolvido no grupo do i3S «Epithelial Polarity & Cell Division», e conta com a colaboração de grupos de investigação da NOVA Medical School, em Lisboa, e da Universidade de Dundee, no Reino Unido.